Título: União partidária inédita em torno de Serra anima tucanos na largada
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2010, Política, p. A6

Fora do poder há oito anos, o PSDB recomeçou a empreitada para retomar o Palácio do Planalto com uma novidade: suas principais lideranças nacionais resolveram deixar de lado as divergências, pelo menos por enquanto, e apoiar a candidatura do ex-governador de São Paulo José Serra a presidente da República, o que não ocorreu nas últimas campanhas do partido, em 2002 e 2006.

Serra decidiu aceitar o convite do ex-governador Aécio Neves para começar por Minas Gerais sua agenda de viagens nessa pré-campanha. Na segunda-feira, 19 de abril, fará palestra na Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e depois se reunirá com prefeitos e lideranças políticas.

O que une o PSDB na largada da campanha não é identidade programática, mas a perspectiva de ver o PT outros oito anos no poder - o que alguns parlamentares, como o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA) acreditam que seria o inicío de um processo de mexicanização da política brasileira, numa referência ao PRI, o partido que durante 70 anos controlou a política no México.

O PT também é peça-chave na estratégia tucana e um dos motes considerados mais fortes do discurso de campanha do PSDB. No pronunciamento que fez no último sábado, ao ser apresentado como o pré-candidato da aliança PSDB, Democratas e PPS, Serra acusou o PT (sem citar nominalmente o partido) de ser um fator de divisão do país. "É deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil." Em referência específica a uma declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de outubro do ano passado, Serra afirmou: "Não aceito o raciocínio do nós contra eles. Não cabe na vida de uma nação. Somos todos irmãos na pátria."

O ataque às posições mais radicais do PT é uma tentativa de neutralizar o que a candidata do governo, a ex-ministra Dilma Rousseff, tem de mais forte: o apadrinhamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a nove meses de deixar o cargo mantém uma elevada taxa de popularidade, na faixa dos 80% da opinião pública. Os tucanos acreditam que, até agora, Dilma apenas preencheu o espaço que tradicionalmente o PT tem nas eleições, algo em torno dos 30%, mas que ainda não há um forte processo de transferência de votos de Lula para sua candidata.

Mas o ataque ao PT deve passar longe da "estratégia do medo" utilizada pelo PSDB em 2002, quando o próprio Serra era o candidato do partido. O que será explorado é o que o PSDB chama de "sectarismo" do PT, como a agressividade nas campanhas de rua, por exemplo. Esse discurso une o PSDB, que terá duros embates com o PT em Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e mesmo Minas Gerais, onde fará coligação com o PMDB ou terá candidato próprio.

Aécio deu a senha da unidade tucana no mais forte discurso proferido contra o PT no lançamento da candidatura de Serra. Aécio enumerou as vezes em que o PT se isolou em conquistas da sociedade brasileira, como a eleição direta para presidente e o Plano Real. Mas sobretudo quando disse: "A partir de Minas estarei a seu lado, governador Serra, onde quer que eu seja convocado." A frase deixou animados os tucanos que ainda acreditam que Aécio poderá aceitar compor a chapa de Serra como candidato a vice.

"Desta vez o PSDB está completamente unido, com palanque forte em praticamente todos os Estados. E nos une a certeza de que se com Lula o PT já é um problema, sem o Lula seria um desastre para o país", disse o senador Tasso Jereissati (CE). Tasso talvez seja o exemplo mais acabado do que se passou entre os tucanos nesses oito anos. Em 2002, ele foi um dissidente e apoiou Ciro Gomes em vez de Serra. Tasso havia sido lançado pré-candidato a presidente pelo então governador de São Paulo, Mário Covas, mas foi bombardeado por setores do partido ligados a Serra e ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, que preferia a candidatura do paulista.

Preterido, Tasso fez discurso de apoio ao tucano na convenção que lançou a candidatura Serra, mas durante a campanha enviou carta ao partido anunciando apoio a Ciro (PPS), cearense e seu amigo pessoal. Sentindo-se "fritado" no PSDB, Tasso deu prioridade aos interesses do Ceará. O que impede que dessa vez não seja diferente? "Eu sou o palanque do Serra no Ceará. Se eu for mal, ele vai mal junto comigo. E se eu for mal, é porque não posso fazer mais nada mesmo", diz Tasso. Desta vez, ele garante que, com ou sem Ciro na disputa presidencial, ele estará totalmente envolvido na campanha de Serra.

A falta de entendimento e unidade entre os tucanos acabou com as chances de vitória de Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e candidato em 2006, ainda no nascedouro. O Ceará outra vez ficou na contra-mão do partido. O então secretário-geral do PSDB, segundo nome em importância na hierarquia partidária, era o hoje prefeito do Rio, Eduardo Paes, que deixou o PSDB e recusou apoio à candidata que disputou com o governador Sérgio Cabral o segundo turno da eleição fluminense.

Na Bahia, o então presidente do diretório local, deputado Jutahy Magalhães Júnior, rejeitou a aliança com o PFL de Antonio Carlos Magalhães, defendida pela direção nacional. Jutahy queria lançar Imbassahy como candidato a governador e uma ala do partido liderada pelo deputado João Almeida queria apoiar a reeleição de Paulo Souto, do então PFL. Já em 1994 Jutahy apoiara Lula contra o candidato do PSDB, Fernando Henrique, que na Bahia aliara-se ao ex-governador Antonio Carlos Magalhães, que à época controlava politicamente o Estado.

Desta vez, o pragmatismo da campanha presidencial prevaleceu sobre as questões locais do PSDB da Bahia. Jutahy abriu mão de sua ligação com o PT local para que o PSDB, sob o comando de Antonio Imbassahy, reeditasse a aliança rompida havia 21 anos com o ex-PFL, hoje DEM, em torno da candidatura do mesmo Paulo Souto para o governo do Estado. "A união do partido em torno do Serra se dá porque 90% estão convencidos de que ele é a pessoa mais preparada para governar o país, mas 100% estão convencidos de que é preciso ganhar", diz Jutahy.

O próprio Serra, oito anos depois, parece mais maduro e flexível. Em 2002, o tucano foi acusado de ser o mentor do rompimento da aliança PSDB-PFL (hoje DEM) que elegeu e reelegeu FHC. Atualmente, o DEM considera-se devedor de Serra: graças à aliança com o ex-governador o Democratas está no comando da maior capital brasileira, São Paulo. Em seu discurso, Serra fez mesuras ao DEM, mas é certo que não quer um candidato demista como vice - nem tem compromisso com o partido nesse sentido.