Título: Modelo de desenvolvimento define vocação exportadora
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2010, Opinião, p. A10
Há boas e más notícias no comércio do Brasil com o mundo neste início de ano. As exportações, depois de perderem fôlego no ano passado graças à crise econômica mundial, voltaram a crescer em ritmo acelerado - 25,8% no primeiro trimestre, quando comparadas ao mesmo período de 2009. Motivadas principalmente pela aceleração econômica, as importações avançaram, no entanto, numa velocidade ainda maior - 36%. Como resultado desse descompasso, o saldo comercial encolheu 70%, para apenas US$ 895 milhões, o menor dos últimos nove anos.
Os números das importações não são um mal em si. Toda vez que a economia brasileira aumenta o ritmo de expansão, as compras externas, especialmente de máquinas e equipamentos (bens de capital), crescem. Estimuladas pelo aumento da demanda e confiantes no consumo futuro, as empresas aproveitam a oportunidade para modernizar seus parques produtivos. Dessa forma, aumentam a produção a custos menores, o que também ajuda a manter a inflação sob controle.
Evidentemente, a taxa de câmbio apreciada funciona como um estímulo adicional às compras no exterior, mas a experiência mostra que o que realmente incentiva as companhias a importar mais é o aquecimento da demanda interna. A preocupação de autoridades e especialistas reside no fato de que, entre janeiro e março, embora as importações de bens de capital tenham crescido de forma significativa (17,6%, na comparação com igual período do ano anterior), as compras no exterior de matérias-primas e bens intermediários (41,6%) e de bens de consumo (42,7%) aumentaram mais.
A inquietação existe porque há a suspeita de que os fabricantes nacionais estejam optando por insumos importados, em detrimento de fornecedores nacionais. Esta seria uma realidade, segundo Fernando Ribeiro, economista-chefe da Funcex, detectada já antes da crise, quando a economia brasileira também estava em franco processo de aceleração. "Essa é uma tendência que tínhamos até 2008 e foi interrompida pela crise", disse ele ao Valor.
Um exemplo chama a atenção: segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, a importação de partes e peças para veículos, automóveis e tratores aumentou 67,4% no primeiro trimestre. Ribeiro não vê no câmbio apreciado ou nos preços menores a atratividade dos produtos importados, mas na oferta internacional de insumos diferenciados e de melhor qualidade. Esse parece ser o X da questão.
O Brasil vive, hoje, um momentos luminoso depois de mais de duas décadas de estagnação e baixo crescimento. Fundamentos sólidos, como estabilidade econômica e Estado solvente, não mascaram, entretanto, o fato de que produzir no país é custoso. Carga tributária entre as mais altas do mundo, infraestrutura deficiente, mão de obra pouco qualificada, excesso de burocracia e custo financeiro elevado diminuem a competitividade das empresas brasileiras aqui dentro e lá fora.
Nos últimos 16 anos, o país avançou na conquista da estabilidade, mas o atual governo negligenciou a agenda de reformas institucionais. É verdade que uma reforma tributária chegou a ser proposta ao Congresso, mas o projeto, ao sugerir a manutenção da carga de impostos no patamar atual (36,5% do PIB), padecia de ousadia. Além do mais, não contou com o necessário envolvimento político do presidente da República, para quem a carga tem que ser alta mesmo.
Todos os problemas citados tendem a moldar, no longo prazo, um país exportador apenas daquilo que conta com vantagens naturais incomparáveis no plano internacional: produtos básicos e commodities em geral. Isso explica, por exemplo, o fato de estar no desempenho desses produtos a esperança de geração de saldos positivos na balança comercial no curto e médio prazos.
Neste momento, a Vale negocia, com importadores, aumento de 100% no preço do seu minério de ferro. Segundo cálculo de Octávio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, se isso acontecer, o superávit da balança comercial brasileira em 2010 deverá saltar de uma estimativa inicial de US$ 5,5 bilhões para US$ 18,4 bilhões. A notícia é boa para o país, mas não deve iludir ninguém: com o atual modelo de desenvolvimento, o Brasil está optando por voltar ao século XIX, quando era apenas uma economia exportadora de produtos agrícolas.