Título: Casal do setor de serviços só soube da crise pela televisão
Autor: Lamucci , Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2010, Brasil, p. A3

Sem reparar na inscrição "Construindo a felicidade", que sinaliza a fachada do ponto de venda de uma construtora de imóveis populares no centro de São Paulo, o casal Marcos Antonio de Sousa e Katia Pereira da Silva, ambos de 34 anos e funcionários da cadeia de shopping centers Iguatemi, saiu esperançoso da agência, após entregar a papelada para a compra de um apartamento de 45 m2 em Osasco, região metropolitana de São Paulo, com subsídio do programa Minha Casa, Minha Vida, e valor total de R$ 90 mil.

Com 70% das unidades na planta já vendidas, o empreendimento tem lançamento marcado para amanhã, uma data especial para eles. "A resposta da Caixa sai no sábado agora, bem no dia do nosso casamento", entusiasma-se Katia, grávida de três meses. "A gente está procurando há oito meses, ainda não deu certo porque tem muita propaganda enganosa que diz que dá para financiar 100% do imóvel, só que na hora de negociar tem sempre uma entrada que não conseguimos fechar porque fica muito caro", reclama Marcos Antonio.

Os dois trabalham no setor de serviços, o que mais cresceu no ano passado, apesar da desaceleração da economia, e só tomaram conhecimento da repercussão da crise econômica pela televisão e pelos jornais. "2009 foi um ano bom, fui promovido para líder da equipe de manutenção do shopping, comecei na faculdade e agora só falta sair do aluguel", afirma Marco Antonio. Ele teve aumento de 40% no salário, para R$ 1,7 mil, praticamente na mesma época em que conseguiu bolsa de 50% do ProUni para o curso de tecnólogo em automação industrial.

Já para os engenheiros Renato Bassani Martins, de 33 anos, e Renata Scherrer Martins, 27, o ano passado reservou preocupações por causa das incertezas da economia. Setembro de 2008 foi atribulado. Poucos dias antes da quebra do Lehman Brothers, o casal havia "planilhado" todos os detalhes do casamento, da festa, da lua de mel, do financiamento do imóvel: em um ano estariam casados e de casa nova.

Veio a crise. "Foi um baque, a gente estava consciente que ia ter dificuldade mais para frente", lembra Renato, supervisor técnico comercial da Refrisat, fábrica de médio porte de equipamentos de refrigeração industrial, que tem Shell, Fiat e Hospital Sírio Libanês no catálogo de clientes. Ele tinha razão: o Produto Interno Bruto (PIB) de 2009 divulgado ontem mostrou que o setor industrial e os investimentos recuaram 5,5% e 9,9%, respectivamente. "Lá para fevereiro, março, os clientes começaram a desaparecer, a empresa demitiu, minha renda média caiu 30%. Não se vendia nada, perdi os prêmios porque não dava para alcançar as metas", completa.

Com renda mensal superior a R$ 10 mil, o casal sustentou os planos em meio à turbulência. "Ainda bem que somos engenheiros e gostamos das coisas bem certinhas. Nas nossas planilhas tinha planejamento até para a situação de algum de nós perder o emprego", conta Renata. Mesmo com salário fixo e posição de supervisora na Petróleo Ipiranga, ela diz que a empresa suspendeu projetos de expansão no ano passado e se concentrou apenas na mudança da marca Texaco, comprada em agosto de 2008 por R$ 1,6 bilhão.

O reflexo das mudanças de rota na rotina profissional pode não ter estremecido os desejos do casal, mas forçou um ajustamento da vida pessoal à realidade econômica. O apartamento que eles acabaram comprando na Pompeia, bairro de classe média de São Paulo, é menor do que eles projetavam, por exemplo. "Estabelecemos um limite de R$ 300 mil, mas os preços estavam impossíveis na Vila Romana e na Vila Olímpia, região que gosto muito", fala Renata.

Apesar de trajetórias diversas, os dois casais estão otimistas com suas perspectivas econômicas em 2010. Renata e Renato já voltaram ao excel e planejam adiantar a quitação do apartamento comprado no ano passado para 2011. Além disso, vão trocar um dos carros da família na semana que vem e têm viagem internacional marcada para o meio do ano. "As comissões voltaram e a Refrisat está readmitindo os empregados que saíram na crise. As vendas em fevereiro, que normalmente é um mês muito ruim, mais que dobraram em relação a fevereiro de 2009 e cresceram 50% na comparação com 2008", diz Renato. "O problema é dar conta de atender à forte demanda, principalmente com a Copa do Mundo e a Olimpíada em um intervalo de apenas dois anos. Nosso medo é a volta da inflação."

Marcos Antonio e Katia estão mais tranquilos. Ele aproveita a maré de boa sorte para arriscar sua análise do panorama econômico do país. "A empresa já avisou os funcionários que vai abrir dois shoppings novos em São Paulo [na verdade, o grupo Iguatemi planeja inaugurar quatro shoppings no Estado até 2011] e vamos ter chances de crescer. Eu vou ter um diploma, isso é importante. Depois que eu terminar, ela vai poder ir para a faculdade também. Do jeito que as coisas estão indo, a economia vai continuar crescendo. Mesmo se mudar o presidente não vamos ter grandes mudanças na economia. É isso que a gente ouve por aí", diz.

Futura mãe, Katia concorda em se dedicar ao trabalho e cuidar do filho enquanto o marido estuda e busca crescer na empresa. Mas, antes de tudo, o casal quer mesmo curtir o casamento amanhã. De preferência com a compra do apartamento aprovada pela Caixa.