Título: Danos a instalações vai afetar safra de vinho da região do Vale de Maule
Autor: Uchoa , Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2010, Especial, p. A16

Do alto da estrada de terra próxima ao rio Loncomilla, o vale parece estar como sempre. Vinhas plantadas, tempo quente típico da estação de colheita. Difícil acreditar que algo está fora do lugar. Mas o rio Loncomilla passa pela região vitivinífera mais afetada pelo terremoto do dia 27 de fevereiro, o Vale do Maule. A área, que agrega tanto produtores gigantescos, como a Concha y Toro, quanto vinícolas pequenas, que pertencem ao Movimento dos Vinhateiros Independentes, começou a colheita um pouco atrasada. Mas não é a colheita que preocupa os produtores, e sim como produzir os vinhos desta safra, já que grande parte das cubas de inox para a fermentação das uvas ainda está fora de serviço e a eventual perda de mercado poderia ferir de morte aqueles que não têm uma grande corporação por trás de seus negócios.

"Ainda temos pela frente um terremoto maior para enfrentar, o terremoto em nossos negócios", disse Jorge Balduzzi, da Vinha Balduzzi. Sua vinícola perdeu metade do estoque de vinhos que mantinha e várias das cubas de aço que, agora, deveriam estar sendo cheias com a nova safra.

Os casos contados na região misturam desespero e solidariedade. Vizinhos se agruparam para ajudar a recuperar cubas de aço e barris de carvalho que haviam sido derrubados. Nota-se um certo improviso nos armazéns de produção. As paredes que ainda estao de pé ficam escoradas por grandes toras. Em partes, nada de paredes, e sim remendos com placas de madeira retiradas de outros armazéns. Não há como comprar materiais de construção em Talca, a maior cidade da região, pois o comércio ainda não foi restabelecido.

A eletricidade já voltou em quase toda a região, mas comprar gasolina ainda é um desafio. A maior parte dos postos em volta da cidade está fechada. Além disso, uma viagem que normalmente duraria 3 ou 4 horas agora dura até 11 horas, por causa dos desvios e bloqueios na estrada 5, principal via de ligação entre Santiago e o sul do país.

A regiao do Maule está a cerca de 250 km de Santiago, e a apenas 100 km do epicentro do terremoto de 8,8 graus que atingiu o país. Há ali 50 mil hectares de vinhedos plantados, cerca de 45% da área usada para a vinicultura no Chile. A produção local chega a 500 milhões de litros, de um total de mais de 950 milhões de litros produzidos no país. O Chile é o quinto maior exportador de vinhos do mundo. No ano passado, as vendas externas do setor chegaram a US$ 1,4 bilhão.

"Temos de esperar também para saber quando as estradas voltarão a ficar transitáveis", diz Hector Gaviria, gerente de pessoal da Concha Y Toro em Maule. A vinícola, a maior do Chile, havia suspendido produção e engarrafamento na semana passada, mas recomeçou a voltar à normalidade. Apesar de grandes perdas, ela está coberta pelo seguro e pela escala de produção. Gaviria diz não saber quantos litros a empresa perdeu.

Em todo o país, a perda de vinhos chegará a 125 milhoes de litros, segundo a Vinhos do Chile, associação do setor vinícola. O prejuízo calculado para essas perdas é de US$ 250 milhões. Para os produtores, essa perda é até tida como menos dramática do que se imaginava, já que representa cerca de 12% da safra de 2009.

Mas o setor tem ainda de se preocupar com os baixos rendimentos esperados para a safra de 2010, por causa das geadas que atacaram quase toda a região vitivinícola no fim da primavera do ano passado, além do frio anormal do começo da primavera, o que havia prejudicado a formação da uva, afirma Enrique Tirado, enólogo da Concha Y Toro.

Outros enólogos entretanto, veem uma oportunidade interessante. Segundo Rafael Tirado, enólogo da Via Wines, "foi uma vantagem enorme termos começado a colheita mais tarde. Produziremos sauvignons blancs de grande qualidade. Os problemas mesmo tiveram aqueles que sofreram perdas em suas cubas de inox, usadas para vinhos de linhas mais populares. Sendo assim, alguns poderão se sobressair por causa da qualidade". Ao fim, diz Tirado, "pode ser esse o diferencial da dramática safra de 2010".