Título: Empresas ganham mais prazo de negociação para Belo Monte
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2010, Brasil, p. A3

O governo adiou em dois dias os prazos para inscrições e aportes de garantias dos consórcios que vão concorrer no leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte previsto para o dia 20. Com isso, até sexta-feira poderão ocorrer negociações para formação do consórcio que vai enfrentar o grupo já formado por Andrade Gutierrez, Vale, Neoenergia e Votorantim. Nos últimos dias, têm havido conversas entre empresas como OAS, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, Mendes Júnior e Bertin. Companhias industriais participam dessa articulação.

A CSN foi a única a se apresentar na chamada da Eletronorte às empresas interessadas no empreendimento. Negociações continuam com grupos como Gerdau e Alcoa, que podem fazer parte do consórcio ou decidir o papel de parceiros estratégicos após a definição do leilão. A Suez, que poderia compor um terceiro consórcio, agora negocia com o segundo grupo para ser outro parceiro estratégico no futuro.

A chamada da Eletronorte visava a uma definição da Eletrobrás sobre como ela participará da sociedade vencedora. Já foi definido que, entre os limites de 40% e 49% de participação da estatal na sociedade, ela ficará com o teto de 49%. Esse era um pleito das próprias concorrentes, que queriam maior presença estatal no projeto orçado oficialmente em R$ 19 bilhões, mas cujo custo pode chegar a R$ 30 bilhões, estimam as empresas.

Para o governo, o sucesso do leilão de Belo Monte, com potência instalada de mais de 11 mil megawatts (MW) é fundamental para dar continuidade ao processo de concessões de hidrelétricas, vistas como fonte mais eficiente financeiramente. Se houver grande concorrência no leilão do dia 20, acredita-se que haverá maior demanda por outras hidrelétricas que serão leiloadas em 2011, principalmente o complexo de Tapajós, com mais de 10 mil MW.

Para o governo, o prazo elevado em dois dias é relevante para as empresas se organizarem em consórcio. Até sexta-feira, as empresas terão de apresentar garantia de R$ 196 milhões, equivalente a 1% do valor previsto para a obra. Muitas empresas precisam de aprovação de seus conselhos de administração para poder participar do evento. A Alcoa, por exemplo, disse, em nota ao Valor, que não poderia participar do empreendimento neste momento. "Para isso, seria necessária a aprovação do conselho, que é um processo detalhado e que exigiria certo período de tempo." Mas, como tem interesse de longo prazo na energia a ser gerada por Belo Monte, a Alcoa gostaria de poder vir a ter uma eventual participação futura, caso surja a oportunidade. A CSN e a Gerdau preferiram não se manifestar.

O presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz, definirá, ainda, como a estatal participará dos consórcios. Ele deverá distribuir as quatro subsidiarias da holding, Chesf, Eletronorte, Eletrosul e Furnas entre os dois grupos. No entanto, a capacidade financeira da estatal, pleiteada pelos concorrentes, estará presente por qualquer uma das subsidiárias

A participação de um grupo industrial é visto como ponto-chave para a formação do segundo consórcio. Com empresas que poderiam implantar fábricas nos arredores da usina, o consórcio ganha força financeira para concorrer. Quando fazem parte do grupo vencedor, essas indústrias são conhecidas como autoprodutoras de energia. O autoprodutor paga a energia por um preço maior do que o consumidor cativo, cuja tarifa é definida na data do leilão. Além disso, com a presença desse autoprodutor, o consórcio poderá vender mais energia no mercado livre, onde pode negociar preços com compradores. No consórcio da Andrade Gutierrez, Vale e Votorantim fazem esse papel.

Na visão do governo, a participação de construtoras de menor porte no segundo consórcio de Belo Monte também é positivo, desde que haja a presença de grupos com porte financeiro para tocar a obra. Há, no estudo de impacto ambiental, a previsão de construção de 3 mil casas populares e de um porto no rio Xingu, que poderiam ficar a cargo das empreiteiras menores.

O governo também espera a participação dos fundos de pensão para dar musculatura financeira ao segundo consórcio. Pelo menos Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal, e Petros, dos trabalhadores da Petrobras, estariam considerando a participação no segundo grupo.

Pelo lado do Executivo, responsável por prover condições para que o leilão tenha sucesso, continuam as tratativas sobre melhora das condições para os concorrentes. Os impostos a serem pagos pelos empreendedores serão reduzidos em até 75%, nos mesmos moldes que ocorreram no leilão das usinas do rio Madeira (RO) em 2008. O financiamento da obra pelo BNDES também teve prazo elevado, dos 25 anos inicialmente previstos, para 30 anos, período da concessão aos vencedores.

Uma das possibilidade ainda em avaliação é também conceder um prazo mais elástico, de até 30 anos de crédito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Pelo programa, foram reduzidas as linhas Finame do BNDES para 4,5% ao ano. O empréstimo é subsidiado pelo Tesouro Nacional e foi criado no âmbito das medidas anticíclicas da crise do ano passado. Com essa mudança, as empresas ganhariam prazo maior para financiar a compra de bens de capital e o governo estimularia a indústria nacional de máquinas e equipamentos, precondição para a obtenção do juro menor.

As condições facilitadas aos concorrentes é resposta do governo à critica de que o preço-teto da tarifa definido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em R$ 83 o megawatt-hora, seria baixo demais. Por considerar que a obra não é interessante do ponto de vista financeiro, as construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht anunciaram que não concorrerão. A partir delas, era esperada a formação de um consórcio para participar do leilão.

Também para auxiliar o consórcio vencedor financeiramente, o governo considera antecipar a data para assinatura da concessão. A data inicialmente prevista era setembro. Mas, antecipando-se essa data, o grupo vencedor poderá iniciar as obras antes e com isso, aproveitar a janela hidrológica do meio do ano, em que há menos chuvas na região da Volta Grande do Xingu. Se as obras iniciarem mais para o fim do ano, o regime intenso de chuvas poderá fazer com que a usina, prevista para ficar pronta em 2015, atrase em até um ano.

No caso da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, o consórcio vencedor liderado pela Suez conseguiu antecipar prazos do cronograma da obra. Essa energia gerada antes do previsto pode ser livremente negociada pelo consórcio, o que dá maior potencial de receita ao grupo.