Título: Demanda exige alta forte do juro, diz Werlang
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2010, Brasil, p. A5

A economia brasileira cresce hoje bastante acima do seu ritmo potencial, podendo encerrar o ano com uma expansão superior a 7% se o Banco Central (BC) não iniciar um ciclo de alta dos juros, avalia o ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) Sérgio Werlang, vice-presidente-executivo do Itaú Unibanco. Ele estima que, no primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou no mais de 2% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, um ritmo que, anualizado, pode chegar perto de 10%. Para Werlang, a velocidade da atividade econômica exige uma alta considerável da taxa Selic, de 3,5 a 4 pontos percentuais, e mesmo assim a inflação só deve voltar para perto do centro da meta definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%, em 2012. Para este ano, ele vê um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), balizador do regime de metas, na casa de 5,5%.

Responsável pelas áreas de controle de risco e controladoria do Itaú Unibanco, Werlang diz que a manutenção dos juros neste ano poderia levar até mesmo à formação de uma bolha no mercado de crédito. "Eu diria que esse risco seria grande se o BC não elevasse os juros, mantendo a Selic em 8,75% o ano inteiro. Aí seria um problema", afirma ele. "Todos os preços de ativos tenderiam a subir uma barbaridade e haveria inflação." Nos 12 meses até fevereiro, o volume de operações de crédito aumentou 16,8%, atingindo 44,9% do PIB.

Werlang acredita, porém, que esse cenário não vai concretizar, uma vez que o BC deverá começar o ciclo de alta da Selic neste mês. Teria sido melhor iniciar o processo de elevação em março, mas um mês não deve fazer grande diferença, diz ele. O mais adequado, segundo Werlang, seria uma alta de 0,75 ponto, com o aperto monetário se encerrando no primeiro trimestre do ano que vem.

Um analista ortodoxo que não costuma pregar apertos monetários dos mais fortes, Werlang vê desta vez motivos para uma alta mais intensa da Selic. Ele não tem dúvidas de que a demanda avança a um ritmo excessivo, num cenário marcado por juros baixos para padrões brasileiros e amplos estímulos fiscais, que começaram a ser retirados. Os juros baixos estimulam o consumo de bens duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) e os investimentos, avalia Werlang, que considera o ritmo de demanda incompatível com a capacidade de oferta da economia.

Segundo ele, nem nas contas mais otimistas o crescimento potencial brasileiro (aquele que não acelera a inflação) chega perto do atual ritmo da atividade econômica. Werlang estima o PIB potencial próximo a 5%, ao passo que a economia se encaminha para avançar mais de 7% em 2010. Como espera o começo da alta dos juros para o fim deste mês, ele trabalha com um crescimento entre 6% e 7% em 2010. Com o aumento da Selic, afasta-se também o risco de uma bolha de crédito. "Os nossos modelos mostram que o crescimento real do crédito vai diminuir à proporção que o tempo passa. Ele vai continuar a crescer mais do que o PIB durante um tempo, mas a tendência é que tenha taxas menores de expansão mais a longo prazo."

Werlang diz que o crescimento no primeiro trimestre foi muito expressivo, superior a 2%. "Fazendo as contas como os americanos fazem, dá mais de 8% em termos anualizados. Pode chegar a 10%. É um ritmo muito forte", afirma ele, que vê uma inflação na casa de 5,5% neste ano. Para 2011, Werlang espera um IPCA nesse patamar mesmo que o BC eleve os juros em 3,5 e 4 pontos percentuais, como ele julga necessário.

O ponto é que os Índices Gerais de Preços (IGPs) devem subir algo como 9% neste ano, o que impactará a inflação do ano que vem, pois o indicador corrige parcial ou totalmente alguns itens, como os preços administrados. "Seria muito custoso trazer a inflação para o centro da meta no ano que vem", afirma ele, que vê um crescimento de 4,5% a 5% em 2010.

Além do aumento dos juros, Werlang diz que chegou o momento de "voltar à normalidade em termos de despesas do setor público". Medidas que faziam sentido num ambiente de crise não se justificam mais. "É hora de desmontar os estímulos fiscais, para evitar que a economia fique superaquecida". Isso já começou a ser feito com as desonerações tributárias, como no caso da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e seria importante reduzir o ritmo de expansão dos gastos correntes (pessoal, aposentadorias e custeio da máquina).

Se houver um ajuste fiscal mais expressivo, a alta total da Selic poderia ser um pouco menor, de 2,5 a 3 pontos, diz ele. A contenção das despesas correntes também pode fazer com que os juros fiquem num patamar elevado por menos tempo, além de abrir espaço para aumentar o investimento público, baixo no Brasil, observa Werlang.

Ao lado do contenção dos gastos públicos, Werlang aponta como um grande desafio para o Brasil a adoção de medidas e a aprovação de reformas que melhorem a eficiência e a infraestrutura da economia, facilitando as condições para o setor privado investir.

Com essa combinação, o Brasil estará mais preparado para um mundo que ainda terá problemas nos próximos anos, especialmente na Europa. Werlang acredita que os países desenvolvidos manterão os juros baixos por muito tempo, o que é um fator positivo para emergentes como o Brasil, mas vê dificuldades para os países europeus superarem a crise.

Werlang diz que, guardadas as devidas proporções, a situação da zona do euro "é mais ou menos com a brasileira antes da Lei de Responsabilidade Fiscal". A moeda é a mesma, mas não há coordenação fiscal entre os membros, apesar das exigências do Tratado de Maastricht (que prevê limites para o endividamento e para o déficit fiscal dos países). As regras do tratado mostraram-se frágeis na crise, como ficou evidente no caso da Grécia. Esse quadro extremamente complexo poderá levar a Europa a passar por um período de muitos anos de crescimento baixo, talvez uma década com expansão anual na casa de 1%, avalia o economista.

Para Werlang, essa estagnação europeia terá impacto sobre a economia brasileira, por mais que o país viva um bom momento. O ponto é que a Europa tem um peso relevante no PIB global, próximo ao dos EUA. "Os preços de commodities não serão tão interessantes quanto seriam se o crescimento da Europa fosse maior, e o crédito internacional para as empresas brasileiras vai ser menor, porque vai haver menos bancos europeus dispostos a dar crédito para elas", afirma ele. "Esse é o maior risco de médio prazo que eu vejo hoje."