Título: BC já prevê inflação acima do centro da meta para 2010
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2010, Brasil, p. A3

O Banco Central já admite uma inflação de 5,2% no fim deste ano, acima do centro da meta, de 4,5%, mas ainda dentro da banda superior, de 6,5%. O patamar, que consta do Relatório de Inflação, documento trimestral divulgado ontem pelo Banco Central, representa elevação de 0,6 ponto percentual em relação à estimativa de dezembro. Para 2011, a expectativa é de inflação de 4,9% no fim do ano, também superior à previsão anterior (4,3%). "A projeção se mantém sensivelmente acima da meta ao longo de 2010, retornando a níveis mais baixos apenas em 2011", diz o texto do relatório.

De acordo com o BC, em "ambiente de fortalecimento da demanda interna, expansão das operações de crédito e aumentos nas expectativas de consumidores e empresários, deve ser considerada a aceleração recente registrada na variação dos índices de preços ao consumidor". A autoridade pondera que esse "movimento, embora sensibilizado pelas pressões sazonais exercidas pelos aumentos nos preços dos alimentos in natura, nos custos associados à educação e nas tarifas de transportes públicos, mostrou-se mais difuso, refletindo pressões de demanda."

No chamado cenário de mercado, no entanto, que usa os dados do Boletim Focus, e que já contempla um aumento de juros, a inflação esperada também é de 5,2% no fim deste ano, mas as expectativas convergem para um patamar inferior à meta em 2011, de 4,4%.

Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, a deterioração das expectativas sobre o IPCA é inequívoca apenas no horizonte deste ano. "Cabe lembrar que, mesmo que a alta da Selic tivesse ocorrido a partir de 17 de março, o tempo necessário para que seus efeitos chegassem aos preços não teria efeito relevante sobre a inflação esperada em dezembro do corrente ano. Já para 2011, a projeção do BC é de um IPCA abaixo do centro da meta, mesmo com o real se desvalorizando e com a Selic a 11,25% (na ponta)", diz Gonçalves.

O Relatório de Inflação também indicou que os principais riscos para a estabilidade de preços "vêm da possibilidade de que os valores efetivos e prospectivos da inflação permaneçam, de forma persistente, em níveis acima da meta ou mesmo se distanciem progressivamente da meta, em um quadro de deterioração adicional das expectativas, e em um ambiente de crescente utilização de recursos".

Num cenário de maior deterioração, os custos necessários para se trazer a inflação de volta à trajetória das metas podem ser "significativos", diz o texto do relatório. Segundo o novo diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo, esses custos estão relacionados à necessidade de redução da demanda, com reflexos no crescimento da oferta.

Essa foi a primeira vez que Hamilton comandou a divulgação do Relatório de Inflação. Segundo ele, a elaboração do texto ainda teve a participação do antigo diretor, Mario Mesquita, que deixou o cargo ontem. No lugar de Hamilton, que era braço direito de Mesquita até o mês passado e ainda acumula a diretoria de Assuntos Internacionais, deve assumiu Luiz Awazu Pereira, que ainda precisa ser sabatinado pelo Congresso.

O texto do relatório, portanto, reforçou os sinais de que haverá alta de juros na próxima reunião do Copom, em abril, na visão de analistas de mercado, ao retomar pontos já tratados na ata da reunião de março do Copom, quando foi mantida a Selic em 8,75% ao ano. A equipe econômica do Santander, em relatório para clientes, avalia que o aumento das expectativas se deve ao "enfraquecimento da moeda e, principalmente, à surpresa inflacionária neste primeiro trimestre - um ajuste de 0,5% na inflação trimestral projetada anteriormente pelo BC".

Para o Santander, o relatório divulgado pelo BC reafirmou o cenário de aumento expressivo dos riscos inflacionários e "a necessidade de uma política monetária austera", com apostas de um ciclo de aperto monetário maior em 2010. A projeção do banco é de Selic em 11,75% ao ano no fim de 2010 e de 12% ao ano no fim de 2011.

Para a LCA Consultores, a principal conclusão que se pode tirar do documento é que um ajuste de 250 pontos-base na taxa Selic, para 11,25% ao ano, é o suficiente para levar a inflação ao centro da meta no ano que vem.

Um ponto que chamou a atenção dos analistas no relatório foi a menção a uma "programação de retorno à normalidade das condições monetárias". De acordo com o texto do documento do BC, na avaliação do colegiado no fim do ano passado era necessário que se estabelecesse uma estratégia de saída, ou seja, uma programação de retorno à normalidade das condições monetárias. Essa estratégia, ainda pelo relatório, "deveria ser implementada ao longo dos meses iniciais deste ano, contemplando inclusive um cronograma de retirada dos estímulos introduzidos na economia no período da crise".

Esse ponto, segundo o economista do Fator, pode ser visto como um esclarecimento em relação ao comunicado pela ata da reunião do Copom do dia 17, quando houve dissenso sobre o início de ciclo de alta da Selic, pois acrescenta um elemento na avaliação dos membros do comitê que defenderam a alta da Selic: "Por ocasião da reunião de março, alguns membros do comitê, entendendo que as projeções de inflação e o balanço de riscos considerado justificariam o início de um ajuste na taxa Selic já naquele momento, defenderam que a implementação do cronograma original deveria ser antecipada e, assim, votaram por uma elevação imediata de 0,5 ponto percentual na taxa básica", diz texto do Relatório de Inflação.

Ainda de acordo com o documento, o Banco Central elevou a probabilidade estimada de a inflação ultrapassar o limite superior do intervalo da meta neste ano, atingindo 13%, contra 7% do Relatório de Inflação de dezembro. Para 2011, a probabilidade é de 17%. O relatório manteve a projeção de crescimento do PIB em 5,8% para 2010.