Título: Façam as emendas!
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2010, Brasil, p. 9

Vinicius Sassine

Autor da proposta de mudanças no Código Florestal não descarta corrigir imprecisões que facilitem ações de desmatamento

Acada resposta,Aldo Rebelo (PCdoB-SP) reforça um argumento central: o novo Código Florestal Brasileiro, pelo menos da forma como ele o concebeu, não implicará em novos desmatamentos. A concepção, porém, é diferente do resultado final presente no texto.As novas regras para a legislação florestal,conforme o que está escrito no relatório de Aldo, podem ampliar o desmatamento, e o deputado já admite alterar o texto para corrigir ¿ambiguidades¿.

Deputado federal há 20 anos, ex-ministro de Lula e ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo, 54, enfrenta uma saraivada de críticas ao relatório ¿ apontado como explicitamente favorável aos ruralistas ¿ com uma alternância de serenidade e irritação. Em entrevista ao Corrreio, ele explica os pontos mais importantes, garante que analisa todas as sugestões de mudança e diz tentar conter o duelo raivoso entre ambientalistas e ruralistas. ¿As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento¿.

A seguir, os principais trechos da entrevista:que ainda não ficou claro no relatório final, em quais pontos o senhor enxerga contradições ou interpretações equivocadas? A legislação florestal no Brasil foi profundamente alterada nos últimos anos. As áreas de preservação permanente, a partir de uma resolução do Conama de 2002, deixaram na ilegalidade 75% da produção de arroz no país; a criação de gado no Pantanal; de maçã e uva no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina; e de café em São Paulo, no Espírito Santo e em Minas Gerais.

A obrigação da averbação de reserva legal nas pequenas propriedades causa êxodo rural e transfere um problema social e ambiental do campo para a cidade.

Por todas essas razões é que a legislação ambiental precisa de adaptação.

O senhor constatou realmente que a necessidade de manter áreas preservadas está por trás da expulsão dessas pessoas para as cidades? A legislação ambiental impõe a recomposição da área de vegetação nativa nas pequenas propriedades a um custo que o produtor não tem condição de pagar.

O proprietário prefere sair da área, vendê-la, trocar por um carro usado, por uma casa na periferia.

Eu vi isso em todos os estados que visitei. Noventa por cento das propriedades agrícolas no Brasil são familiares, é uma agricultura ainda quase pré-capitalista, semicapitalista.

Quais pontos considera cruciais no relatório? Segundo os críticos, o texto não traz o equilíbrio entre preservação ambiental e produção agropecuária.

O que é mais importante é uma moratória de cinco anos com qualquer tipo de desmatamento no país. Enquanto os estados não realizarem zoneamento ecológico e econômico, não vamos permitir a abertura de área para a agricultura e pecuária.

A legislação não protege o que resta de vegetação nativa, o que não é pouco: representa mais de 70% do território brasileiro.

O compromisso de proteger esse patrimônio é um ganho muito importante do relatório.

Por outro lado, o relatório procura resolver passivos, cuja recomposição é quase impossível.

Esse é um ponto controverso, pois o relatório libera as propriedades de até quatro módulos de terem reserva legal, o que permitiria o desmatamento. Não é isso que o texto diz? O produtor não precisa averbar a reserva legal, mas o mesmo projeto proíbe o desmatamento, o que vale para o pequeno e para o grande proprietários.

Mas isso somente no período da moratória? Não somente nesse período.

Eu disse ao Ministério do Meio Ambiente que, se houver qualquer dúvida quanto a isso, que façam uma emenda e eu a acolho.

O que deve ficar claro no relatório é que ninguém está autorizado a se desfazer de nenhum fragmento de vegetação nativa em suas propriedades.

Um outro ponto que gerou dupla interpretação é a possibilidade de se excluir quatro módulos fiscais do cálculo da reserva legal nas grandes propriedades. Também há dubiedade nesse ponto? Nas primeiras conversas, o Ministério do Meio Ambiente não tinha apresentado nenhuma proposta de alteração. Isso só me chegou ontem (quartafeira, 23) à noite. O que houver de dúvida, temos interesse em deixar claro. A clareza impedirá que amanhã alguém, com base em qualquer ambiguidade de redação, possa usar o direito de se desfazer da vegetação nativa.

A votação do relatório pela comissão vem sendo sucessivamente adiada. Há alguma razão para isso? Foi um pedido para que o relator possa avaliar melhor o projeto? A primeira razão é essa. É preciso tempo para as pessoas lerem o relatório, receberem sugestões e examinarem. Eu não trabalho sozinho. Tenho uma equipe de consultores que organizou o relatório, além da própria comissão e de ministérios.

O relatório deve ser votado ainda neste semestre? Eu defendo que sim. É um respeito à própria Câmara, que constituiu essa comissão há quase um ano. A resolução do Conama de 2002, que colocou produtores na ilegalidade, nunca foi corrigida. Por que o Ministério do Meio Ambiente não corrigiu, não fez o debate? A comissão fez essa discussão, ouviu inclusive o ministério. É preciso que se dê uma solução, não se pode deixar as pessoas na ilegalidade.

Há possibilidade de revisão do tópico que inclui as áreas de preservação permanente no cálculo da reserva legal, já que se prevê um desmatamento maior com esse mecanismo? Essa previsão está completamente enganada. As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento.

Não haverá desmatamento.Ao juntar APP e reserva legal, permite-se apenas a regularização de áreas onde não há estoque de vegetação.