Título: Apoio a Tancredo volta à tona na campanha
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2010, Especial, p. A16

Vinte e cinco anos após sua morte, o presidente Tancredo Neves volta ao primeiro plano da sucessão presidencial. Após as flores em seu túmulo depositadas pela presidenciável petista Dilma Rousseff, o PSDB reagiu. O primeiro contra-ataque veio no encontro que lançou o ex-governador José Serra como pré-candidato tucano, no dia 11. Na ocasião, o ex-governador Aécio Neves lembrou que o PT negou voto a Tancredo na eleição indireta de 1985. Serra destacou a data como a da retomada do Estado de direito democrático. Na segunda-feira, Aécio e seu sucessor, Antonio Anastasia, começam a pré-campanha em Belo Horizonte com Serra. Os três devem viajar em seguida ao Rio, para exposição e lançamento de dois livros em homenagem ao ex-presidente.

A busca da associação com Tancredo não foi associada a um revisão petista sobre o boicote ao Colégio Eleitoral que o elegeu presidente. Mais do que rejeição a Tancredo, o PT insistia na tese da ilegitimidade insanável do Colégio Eleitoral. A oposição ao mineiro se fazia em terreno relativamente moderado: em 1981, quando deputado, Tancredo apareceu de surpresa na reunião do diretório estadual do partido. Perplexos, os petistas o convidaram para compor a mesa e lhe deram a palavra. O então deputado foi ouvido em silêncio e retirou-se rapidamente.

Um ano antes, sua neta, Andrea Neves Cunha, havia sido uma das fundadoras do PT fluminense. Em 1983, o PT propôs instalar CPI sobre o Credireal, um dos três bancos públicos que o governo mineiro controlava na ocasião. Tancredo chamou o único deputado estadual petista, João Batista dos Mares Guia, no Palácio das Mangabeiras e procurou convencê-lo que a CPI poderia enfraquecer o sistema de bancos públicos e favorecer a privatização. O petista não cedeu e o governador manobrou então para que a CPI fosse controlada pelo PMDB e neutralizada.

Tancredo e o PT trabalharam juntos na campanha das diretas, mas ainda na década de 90 o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou um juízo severo sobre Tancredo, conforme deixa claro o livro "História indiscreta da ditadura e da abertura", de Ronaldo Costa Couto, que traz um depoimento de Lula dado em 1997.

"Nas diretas, tivemos um problema muito sério. É que Tancredo trabalhou o tempo inteiro contra elas. O Fernando Henrique Cardoso, na minha opinião era um dos mentores disso também". Lula disse que Tancredo durante a mobilização popular já manobrava pelo Colégio Eleitoral. "Ele sabia que se tivesse eleições diretas naquele instante o presidente seria o Ulysses e não ele. O homem que dentro do PMDB tinha cacife pra se candidatar era Ulysses". Lula relembra que, logo após a derrota diretas, o então senador Fernando Henrique fez um pronunciamento propondo a troca do lema de "diretas já" para "mudanças já".

Relata em seguida suposta cena de mágoa de Ulysses em relação a Tancredo: "Quando terminou a campanha das diretas (...) fui na casa do Ulysses. O Ulysses estava deitado, eu entrei no quarto para acordar ele. Eu pensei que ele estava morto. Estava deitado com a barriga para cima e as mãos juntas. ´Doutor Ulysses´, ´Doutor Ulysses´. Aí ele acordou. Fiz um apelo para gente fazer um outro comício em Belo Horizonte pelas diretas já. Aí o Ulysses sentou do meu lado e falou assim. ´Lula, estou muito contrariado. E possivelmente eu esteja com a mesma revolta que você está. Sei quando sou derrotado. Tancredo me derrotou. Enquanto eu acreditava que a gente ia conquistar as diretas e fazer eleições, o Tancredo acreditava que, pelo Colégio Eleitoral, seria presidente da República".

Ulysses morreu em 1992. Não há registro de críticas públicas suas a Tancredo. Costa Couto, que foi ministro do Interior escolhido por Tancredo, discorda da versão de Lula. " Tudo indica que Tancredo não descartaria disputar eleições diretas, até porque havia uma divisão em São Paulo entre [Franco] Montoro e Ulysses. Ele se sentia preparado e sabia que aquela seria sua última chance", comentou. Segundo o ex-ministro e historiador, "Tancredo apenas transpôs a mobilização das diretas para o Colégio Eleitoral, porque de modo realista sempre soube que a aprovação da emenda era praticamente impossível", comentou.

A decisão de expulsar os deputados Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes, que desobedeceram a cúpula petista, ainda é vista como momento definidor da sigla até mesmo por ex-integrantes do partido, como João Batista dos Mares Guia, ex-companheiro de luta armada de Dilma e do ex-prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, que participou da fundação tanto do PT em 1980 quanto do PSDB em 1988. Irmão do ex-ministro das Relações Institucionais do governo Lula, Walfrido dos Mares Guia, João Batista hoje é consultor na área de educação.

"Pode ter sido uma decisão equivocada, mas era consistente. Foi a primeira vez em que parlamentares petistas foram excluídos em razão do voto no Legislativo. O episódio marcou a hegemonia da burocracia partidária sobre os detentores de mandato eletivo e teve caráter exemplar: se o partido era capaz de expulsar três de seus oito deputados federais, não dava qualquer margem a dubiedades", comentou Mares Guia.