Título: Salários em sigilo
Autor: Torres , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2010, EU & Investimentos, p. D1

Terminou ontem o prazo para que as companhias abertas convocassem as assembleias gerais ordinárias de 2010 e, ao mesmo tempo, divulgassem, pela primeira vez, dados mais detalhados sobre a remuneração dos seus diretores e conselheiros. Levantamento feito pelo Valor com uma amostra de 196 companhias que apresentaram os dados até a tarde de ontem aponta que 42 delas usaram a liminar obtida pela regional Rio do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-Rio) para manter em sigilo a remuneração máxima, média e mínima de diretores e membros do conselho de administração. Esse número equivale a 21,4% do total de empresas da amostra.

Sem usar a liminar, que foi mantida ontem pelo Superior Tribunal de Justiça , outras 43 companhias divulgaram apenas os salários mensais dos administradores ou simplesmente ignoraram a exigência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Essas 85 companhias representam 43,4% da amostra, o que significa que 111 empresas, ou 56,6% do total, divulgaram corretamente os dados exigidos.

A resistência em revelar o salário dos profissionais fica evidente não apenas no uso da liminar, mas também quando se vê que muitos dos documentos contendo essas informações foram divulgados na madrugada dos últimos dias ou nos finais de semana no site da CVM.

A divulgação dos salários fixos mensais - sem incluir os bônus e os pagamentos em ações - também é vista por alguns não apenas como erro no preenchimento, mas como uma estratégia de tentar adiar a divulgação. Isso porque a CVM tem enviado ofício a essas empresas e pedido a correção.

Na opinião de Roberta Prado, professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a decisão de algumas empresas de usar a liminar é prejudicial a todo o mercado de capitais, pois traz insegurança ao investidor, que não sabe o que esperar da divulgação de dados das companhias.

Para ela, a ampla difusão dessas informações é uma questão de tempo. "Parece-me um caminho sem volta. O mercado acabará exigindo esses dados, e o máximo que as empresas conseguirão com a iniciativa na Justiça é ganhar tempo."

A professora da FGV lembra que essas normas existem no mercado internacional há tempo e as empresas já aprenderam a lidar com isso. No Brasil, ressalta, tudo é muito novo, por isso a resistência. "Pela falta de experiência com o tema, as companhias nem sabem como justificar os salários dos adminis-tradores", diz.

O principal argumento do Ibef-Rio para entrar com o pedido de liminar na Justiça é a necessidade de preservar a segurança dos executivos e também o direito a privacidade sobre o salário.

Quando se olha a lista de empresas que usaram a decisão judicial para não divulgar a remuneração, o que se nota é a predominância de companhias tradicionais e de grande porte, embora algumas novatas e com ações listadas no Novo Mercado também façam parte do grupo.

Usaram a liminar as empresas: Vale, AmBev, Pão de Açúcar, Globex, Gerdau, Santander, Itaú Unibanco, Itaúsa, Duratex, Itautec, Elekeiroz, CSN, Fibria, Klabin, Suzano, Braskem, Unipar, CCR, Embraer, Contax, Net, Telefônica, Embratel, Tele Norte Leste, Telemar Norte Leste, Brasil Telecom, São Paulo Alpargatas, Lojas Americanas, B2W, UOL, Souza Cruz, Redecard, ALL, CPFL, Tractebel, Energisa, OGX, MPX, LLX, Log-in, MRS e Gol.

Na média, os diretores dessas empresas tiveram uma remuneração mensal individual de R$ 2,36 milhões em 2009. A conta foi feita com base no gasto total com a diretoria de cada uma das empresas, dividido pelo número de diretores apontado na documentação enviada à CVM. Esse valor supera em 125% a remuneração individual média de R$ 1,04 milhão dos diretores das empresas que não usaram a liminar. No cômputo geral de uma amostra ajustada de 183 empresas (excluindo dados inconsistentes ou quando não foi possível fazer o cálculo), cada executivo recebeu R$ 1,33 milhão em 2009.

A não divulgação dos números pode prejudicar a imagem das companhias em relação à governança corporativa, avalia Reginaldo Alexandre, presidente seção paulista da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec -SP). "Só uma minoria não divulgou, o que vai gerar nos investidores, pelo menos, uma curiosidade sobre os motivos dessa decisão", diz.

Para ele, a exigência de divulgação, especialmente das políticas de remuneração, é essencial para a evolução do mercado de capitais brasileiro em transparência e percepção de risco das empresas. Alexandre acredita que os analistas vão incorporar tais informações ao processo de avaliação das companhias. "Esse conjunto de dados entrará na análise qualitativa, que inclui também as informações sobre a estratégia das empresas, a governança e os riscos, por exemplo."

Até o ano passado, as companhias só eram obrigadas a divulgar a remuneração global aprovada em assembleia geral de acionistas para a administração. Muitas vezes nem a abertura entre diretoria e conselho era feita. Não se sabia tampouco o número de diretores estatutários, para que fosse possível calcular a média.

Com a abertura dos dados neste ano, foi possível identificar que muitas vezes o valor aprovado em assembleia foi bastante diferente do efetivamente gasto. O Bradesco, por exemplo, tinha aprovado R$ 270 milhões e gastou R$ 210 milhões com a administração. O Itaú Unibanco aprovou R$ 100 milhões em assembleia e desembolsou efetivamente R$ 134 milhões, incluindo bônus e ações.