Título: Crédito podre deve girar R$ 20 bilhões
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2010, Finanças, p. C1

Mudou o mercado de compra de créditos podres. Os grandes bancos estrangeiros, que antes se aventuravam no Brasil atrás de retornos elevados, sentiram os efeitos da crise e abandonaram esse negócio. Por outro lado, grandes empresas especializadas em créditos "estressados" e fundos baseados domésticos ganham espaço, com estratégia mais ativa na cobrança e aposta em um histórico de longos anos de atuação para melhor avaliar as carteiras.

O Brasil ainda engatinha em termos de comercialização de carteiras vencidas. A prática, bastante comum nos Estados Unidos e na Europa, consiste na venda, por bancos e financeiras, de carteiras de crédito inadimplentes de difícil recuperação para companhias especializadas em cobrança. Assim, os bancos se livram de ativos de risco e as empresas compradoras buscam retornos da ordem de 15% a 30% com estratégias mais agressivas de recuperação de crédito.

O mercado, que chegou a movimentar R$ 17 bilhões em 2007, recuou para R$ 10 bilhões em 2009, como efeito direto da crise (em 2008 foram R$ 15 bilhões), segundo estimativas da KPMG. Além da forte redução da liquidez no sistema financeiro, outra explicação para a retração foi a dificuldade de formação de preço. Os compradores queriam derrubar preços, sabendo da dificuldade do cenário. Os bancos não queriam perder dinheiro por conta de um estresse que poderia ser momentâneo.

Mas 2010 se mostra mais favorável. Salvatore Milanese, sócio da KPMG, acredita numa retomada das transações e diz que o movimento no início do ano indica que o mercado pode superar R$ 20 bilhões. "Os compradores estão capitalizados e há operações grandes sendo feitas", disse.

Entre os compradores, a mudança é evidente. Um dos mais atuantes era o Lehman Brothers, que nem existe mais, lembra Milanese. Outros, como o Merrill Lynch (comprado pelo Bank of America), também não realizam mais operações por aqui. Com isso, empresas e fundos locais ganharam mais espaço. "Hoje temos instituições com plataforma tecnológica e de pessoal voltados para a cobrança e com um histórico de compras de carteiras. São investidores com estrutura, que conhecem o Brasil e sabem o que comprar", diz.

Além disso, destaca, no passado alguns investidor fizeram maus negócios. "Hoje temos empresas com vários anos de experiência, com fundo de direitos creditórios registrados na CVM e que conseguem rendimentos de quase 25%."

A maior delas hoje é a Credigy, com sede nos Estados Unidos, e controlada por um banco canadense, mas com estrutura e executivos brasileiros. Hoje são mil funcionários, a maior parte no call-center próprio de cobrança. "Desde 2001, adquirimos 12 carteiras, totalizando 10,5 milhões de clientes e R$ 10 bilhões de valor de face", disse o Ulisses Rodrigues, presidente da Credigy no Brasil. Segundo Marcos Gomes, diretor da Credigy, a especialização na cobrança é fundamental para atingir o retorno buscado. Até por isso, a empresa já investiu R$ 10 milhões em estrutura e tecnologia.

A Polo Capital, gestora de recursos baseada no Rio, tem boa experiência no mercado e vê na cobrança o ponto crucial. O fundo usa empresa tercerizada para recuperar os créditos, mas define as estratégias na gestão da cobrança, como remuneração e resultados. Atuando desde 2007, já adquiriu 2 milhões de contratos de crédito vencido. "Esse é um mercado em formação, que ainda precisa ter parâmetro para precificação dos ativos, mas neste ano a perspectiva pode ser mais interessante. Em janeiro já fechamos uma operação", disse, Rogerio Bimbi, da Polo.

Segundo ele, o ideal é estabelecer um relacionamento com o mercado, criando operações em parceria com bancos, para se ter um fluxo constante de compra e venda. Isso, segundo ele, criaria um preço mais bem formado, o que aumentaria a previsibilidade.

Essa dificuldade de criar um fluxo de compras constante se deve a atuação ainda incipiente dos bancos na ponta vendedora. Os estrangeiros são os mais atuantes, Santander e HSBC. Os menores também participam, como Banco Carrefour e Cetelem. O Unibanco já vendeu carteira no passado, mas Itaú e Bradesco não costumam adotar a prática. Empresas de telefonia, como Brasil Telecom e Brasil Telecom Celular também já realizaram esse tipo de transação.

O grande temor das instituições financeiras é justamente como será feita a cobrança, já a empresa que compra o crédito irá abordar um cliente muitas vezes ainda ativo do banco. Mas esse mercado tende a crescer por conta da profissionalização, diz Milanese. "Os bancos terão de vender. Faz parte do negócio deles monetizar isso. A economia está melhorando e os bancos têm de direcionar os esforços para fazer crédito", afirma.

Pesquisa da KPMG com bancos e financeiras que ouviu 18 instituições aponta que metade delas, que representam 12% dos ativos que compõem o sistema financeiro nacional, realizaram venda de carteira. A maior parte dessas vendas é de crédito de varejo (veículos e consignado), feitas em leilão com a participação de diversos fundos.