Título: Crédito imobiliário deve aprender com erros alheios
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/03/2010, Opinião, p. A14

OBanco Central (BC) defende a criação de um índice brasileiro de preçosde imóveis. Os índices de custo da construção atualmente existentes sóservem para medir a inflação. O objetivo do Banco Central é diferente:ele quer um indicador confiável, que reflita a variação de preços deterrenos e imóveis no país para que possa avaliar e monitorar riscosvinculados ao crédito imobiliário. O mercado também irá se beneficiardo novo termômetro, que ajudará a definir estratégias.

Opano de fundo do novo projeto é a franca expansão do mercadoimobiliário brasileiro, o salto dos financiamentos e a crise dosubprime ainda bem vívida na mente dos reguladores.

Aestabilidade econômica abriu espaço para a aceleração do créditoimobiliário. Os empréstimos lastreados em recursos da poupança parapessoas físicas e cooperativas habitacionais cresceram 20 vezes nosúltimos oito anos e 46,4% em doze meses, atingindo o saldo de R$ 96,8bilhões em fevereiro. Considerando todas as fontes de financiamento, ocrédito imobiliário total do Sistema Brasileiro de Poupança eEmpréstimo (SBPE) é de R$ 254 bilhões. Os prazos médios cresceram de 16anos em 2006 para os atuais 23 anos.

Asperspectivas são ainda mais animadoras. A previsão da AssociaçãoBrasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) éque o crédito imobiliário total possa chegar a R$ 1 trilhão nospróximos dez anos.

Essaarrancada dependerá do desenvolvimento de novas fontes de crédito einstrumentos do mercado de capitais. A alternativa mais promissora é acédula de crédito imobiliário (CCIs), emitida pelos bancos parafinanciar incorporadoras. Semelhantes às cédulas de crédito bancária(CCB), as CCIs crescem rapidamente, passando de R$ 2 bilhões em 2005para R$ 19 bilhões em 2010, já respondendo por 7,5% dos total decrédito destinado à habitação. Em pouco tempo, as CCIs alcançaram asantigas Letras Imobiliárias e as Letras Hipotecárias, que somam R$ 20bilhões.

Asecuritização, que em alguns mercados como os Estados Unidos representamais de 60% dos fundos destinados ao financiamento de imóveis, aindaengatinha no Brasil e totaliza R$ 7 bilhões, na forma de certificadosde recebíveis imobiliários (CRIs). Mas, na maior parte do mundo, foi asecuritização que abriu uma fonte importante de financiamentoimobiliário. No Brasil não parece ser diferente. E é exatamente issoque pode potencializar os riscos, como ficou demonstrado pelo queocorreu nos Estados Unidos e Europa na atual crise internacional.

Aexuberância irracional do mercado imobiliário foi o embrião da criseque eclodiu em 2007 e repercute ainda hoje no mundo todo. No ambientede juros baixos que prevalecia no início desta década -- e até mesmonegativos no caso dos Estados Unidos --, as hipotecas se multiplicaramrapidamente. Os investidores buscavam nesses papéis alguns centavos dedólar a mais de rendimentos. Para os interessados em comprar uma casa,os juros também eram atraentes e o comportamento do mercado imobiliárioera um estímulo a mais. Os preços dos imóveis subiram 60% entre 2000 e2005 nos Estados Unidos .

Nãohavia preocupação com inadimplência, pois se algum tomador tivesseproblema em pagar bastava vender o imóvel e liquidar a dívida comsaldo. Isso levou os bancos a dar crédito para clientes de maior risco,os subprimes. Entre 2003 e 2006, as hipotecas subprime triplicaram echegaram a 14% do total. O mercado de securitização cresceu e passou ausar modelos mais sofisticados de empacotar e vender ativos, oferecidosa investidores desatentos e confiantes em avaliações superficiais dasagências de rating. A regulamentação financeira frágil também nãoobrigava as empresas de hipotecas a serem mais transparentes.

Mas a roda parou de girar em 2006, quando a bolha imobiliária estourou.Os preços dos imóveis caíram abaixo do valor das hipotecas e ainadimplência explodiu. Os bancos tiveram que vender ativos a qualquerpreço para atender os resgates dos investidores e recompor o capital.

OBrasil está bem distante disso. As hipotecas, securitizações e créditosgarantidos por imóveis ainda são incipientes. Mas esse caminho éinevitável para o crédito imobiliário crescer. O importante é aprendercom os erros alheios e evitar as armadilhas. Para isso será preciso bemmais do que criar um índice de preços de imóveis.