Título: Crescimento a taxas chinesas
Autor: Moura, Marcelo L.
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2010, Opinião, p. A12

O crescimento econômico criará uma classe média mais educada, mais vigilante dos seus direitos e que cobre o uso dos seus impostos pela administração pública Nos últimos anos, imprensa e economistas apresentam dados sobre a emergência das classes C e D no mercado de consumo brasileiro e a consequente redução da pobreza. O aumento das taxas de crescimento do PIB brasileiro, principalmente entre 2004 e 2008 e programas sociais como o bolsa família são geralmente apontados como os principais motivos desse fenômeno. Entretanto, o que o presente artigo pretende mostrar é que esse avanço não é restrito às classes menos favorecidas da sociedade brasileira. Ao contrário, esse efeito é ainda mais pronunciado nas classes A e B. A ascensão econômica entre classes mais favorecidas no Brasil é um fenômeno pouco evidenciado, mas que é extremamente forte e apresenta taxas chinesas de crescimento, de cerca de 10% ao ano, apesar da nossa economia ter crescido a taxas médias de 5% ao ano entre 2004 e 2008. A tabela abaixo apresenta o número de domicílios e respectiva faixa de renda das classes A, B, C e D no Brasil utilizando dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domícilios (PNAD/IBGE) para os anos de 2008 e 2004. Os dados demonstram que enquanto o número de famílias cresceu em média 2,6% ao ano, as taxas de crescimento das classes A e B superaram em muito esse valor, com taxas médias de crescimento anual de 10,8% e 10,2% ao ano, até mesmo acima do crescimento da classe C que foi de 9,1% ao ano. Enquanto isso, refletindo a redução da pobreza no país, o número de famílias nas classes D e E reduziu-se ao ritmo de quase 1% ao ano. Qual a importância disso? Enorme, isso mostra a formação de um mercado consumidor para crédito e consumo de bens e serviços de alto valor como imóveis, automóveis, eletrônicos entre outros a taxas chinesas de 10% ao ano! Além disso, demonstra que o crescimento econômico do país não apenas reduz a pobreza, mas aumenta a riqueza formando uma classe média de alto poder aquisitivo. O mercado para as classes A e B cresceu 50% em quatro anos e deve pelo menos dobrar a cada 10 anos se o Brasil mantiver a expectativa de crescimento de 5% ao ano. Existe um longo caminho a ser percorrido, as classes A e B no Brasil representavam em 2008 respectivamente 2% e 5,4% do total de famílias no país. No entanto, um exercício simples de crescimento aponta que se mantivermos a mesma taxa de crescimento para os próximos anos, em 2028 teremos mais famílias entre as classes A e B do que famílias nas classes D e E. O consumo, no entanto, deve crescer de forma ainda mais acelerada que as taxas " chinesas " das classes A e B. Para ver isso, basta observar outra tendência da economia brasileira nos últimos anos: a queda da taxa básica de juros. Embora o mercado aguarde aumentos da taxa básica de juros ainda para 2010, isso deverá ser pontual. Um novo patamar de juros, abaixo de 10% ao ano, já se estabelece na economia brasileira e a tendência de queda ainda irá existir por alguns anos, principalmente se o cenário de crescimento a 5% ao ano se mantiver. Explico melhor: os juros base da economia são determinantes para o financiamento de bens de alto valor agregado como imóveis, automóveis e bens de consumo duráveis de forma geral. Uma queda nos juros tem um elevado impacto na redução do custo desse financiamento. Ao combinarmos a queda desse custo de financiamento com o aumento de famílias nas classes A, B e C é evidente o efeito multiplicador para o crédito e consumo. Não é a toa que os bancos brasileiros esperam expandir o crédito a taxa de 20% ao ano para 2010, não se trata de uma bolha é pura matemática do crescimento do poder aquisitivo das famílias e a redução do custo de financiamento. A pressão pelo aumento e a melhora da infraestrutura será também marcante. Obras de melhoria do trânsito e do transporte público nos grandes centros, rodovias, aeroportos, portos, saneamento e energia serão necessárias para acomodar uma nova estrutura de demanda e produção. O impacto não se resume ao aumento do poder de consumo das famílias. Implicações sociais e políticas serão marcantes. O crescimento econômico sustentável por um período de 10 a 20 anos implica na formação de uma classe média mais educada, mais vigilante dos seus direitos e que cobre o uso dos seus impostos pela administração pública. Deixo, porém, uma análise mais aprofundada desses aspectos aos especialistas em política e sociologia. A mensagem final é que mais do que reduzir a pobreza, o crescimento econômico gera riqueza e permitirá a milhões de famílias desfrutarem de conquistas importantes no âmbito econômico e social. A revolução das classes está no crescimento econômico com estabilidade, para isso, entenda-se: responsabilidade nas políticas fiscais e monetária, regras estáveis e democracia consolidada. Valores que observamos entre 2004 e 2008 e que devem ser mantidos pelo próximo presidente da república, seja ele ou ela quem for.