Título: Para especialistas, reforma das regras pode ser cosmética
Autor: Barrett, Paul M.
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2010, Finanças, p. C5

BusinessWeek

Após a volta do recesso de primavera, no último dia 12, o Senado americano tem pela frente um importante debate: a regulamentação do setor bancário. A imprensa política acompanhará, em detalhes excruciantes, o ato de trapézio do presidente da Comissão Bancária, Chris Dodd (democrata, de Connecticut), enquanto ele tentará conseguir o elusivo 60º voto para aprovar seu projeto de lei, apesar das manobras regimentais dos republicanos para obstruir qualquer decisão. Os " palhaços " de ambos os lados emitirão sua confiável retórica empolada: os republicanos sustentando que a lei será um convite para mais pacotes de resgate escandalosos; os democratas, que essa remodelação burocrática desencorajará o próximo cataclismo financeiro. Todo esse deprimente circo será irrelevante. Há um problema claro no âmago da reforma reguladora - há uma forma óbvia de avaliar se o projeto de lei vale o preço da entrada. E o projeto de Dodd não passa no teste. O que falta são regras sólidas, obrigando os bancos a elevar os níveis de capital e liquidez. Tal obrigação seria uma proteção genuína contra o tipo de assunção de risco que alimentou nossa crise recente. Em vez de construir essa proteção, o Senado ficará discutindo questões que representam pouco mais do que distrações elaboradas. Primeiro, o projeto de lei de Dodd criará uma agência de proteção ao consumidor para evitar abusos em cartões de crédito e empréstimos residenciais. Os republicanos, ecoando o executivo-chefe do J.P. Morgan Chase, Jamie Dimon, e seus seguidores, atacam o plano, tachando-o de hostil ao capitalismo. Dodd cedeu, sequestrando a agência reguladora dentro do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), simpático aos bancos. Esperem que Dodd ofereça mais mudanças cosméticas para tentar os republicanos a mudar de voto. Incrementar a proteção aos consumidores faz sentido. Mas fabricar uma agência completamente nova cheira a algo apenas simbólico. Os atuais órgãos reguladores já possuem todos os poderes necessários que serão facultados a qualquer nova agência. Com ou sem o projeto de lei de reforma, se a Casa Branca colocar guardas de verdade na trilha dos bancos, poderemos ver uma fiscalização genuína. Se tivermos as equipes do tipo que não fazem nada que tivemos desde Ronald Reagan, trocar as cadeiras de lugar não fará muita diferença. O outro debate falso se centrará nas propostas para incrementar a autoridade de Washington para acabar com gigantes financeiros - algum procedimento para o próximo Lehman Brothers que seja menos traumático que as " ordens de não ressuscitar " . Os democratas querem dar aos órgãos reguladores mais ferramentas para liquidar os grandes nomes de Wall Street que estejam sob ameaça, de alguma maneira que não crie o pânico desencadeado pela quebra repentina do Lehman Brothers. Os republicanos advertem que seus tolerantes adversários estão encorajando a entrega de recursos dos contribuintes e argumentam que tribunais comuns de falências já são suficientes. Novamente, o argumento parece tangencial. No meio de outro futuro desmoronamento - Deus nos ajude - os políticos não vão se arriscar com a liquidação de instituições financeiras interconectadas ou com outro choque ferroviário de recuperações judiciais. Enquanto permitirmos que os leviatãs fiquem grandes demais para falir, eles ficarão... grandes demais para falir. Os resgataremos para evitar uma depressão mundial. Isso, prevê Douglas J. Elliott, ex-executivo de banco de investimento que atualmente está na Brookings Institution, provavelmente levará " ao mesmo tipo de tropeços e traumas que acabamos de ter " . O que nos traz à questão que merece atenção, mas que estará amplamente ausente nas apresentações dramáticas no Capitólio: exigências de liquidez e capital. Capital é o investimento em uma instituição financeira que não precisa ser devolvido a ninguém. Quando os ativos de um banco - por exemplo, os exóticos títulos lastreados por imóveis - perdem valor repentinamente, seu capital serve de anteparo contra desastres. Na recente debacle, um número demasiado elevado de instituições de Wall Street carecia de capital suficiente. Essas firmas também estavam excessivamente alavancadas. Desde 2007, os bancos dos EUA elevaram suas reservas de caixa e levantaram US$ 519 bilhões em capital, a pedido das autoridades reguladoras, segundo noticiou a Bloomberg em março. À medida que a memória da crise se esvanecer, no entanto, esses estoques de capital diminuirão - a menos que alguém determine regras mais estritas. Como disse um repreendido Alan Greenspan à Comissão de Investigação da Crise Financeira, em 7 de abril: " Os principais imperativos no futuro precisam ser maiores exigências de liquidez e capital dos bancos, baseadas nos riscos, e aumentos significativos nas exigências de garantias para os produtos financeiros negociados mundialmente. " Em termos lamentavelmente vagos, o projeto de lei de Dodd autoriza as autoridades reguladoras a impor diretivas mais estritas de capital bancário. Também exige padrões mais rigorosos de liquidez, ou seja, de disponibilidade de dinheiro ou participações de fácil negociação. Ter mais capital e liquidez significa menos risco, mas também significa menos lucro por dólar investido. É por isso que os banqueiros inevitavelmente tentam reduzir gradualmente os estoques de capital. Eles alertam para o fato de que se forem obrigados a ficar com mais dinheiro, emprestarão menos, no que estão certos - mas o argumento desvia o foco do assunto. Ter mais capital torna a concessão de créditos menos cíclica; permite que os bancos continuem emprestando mesmo em maus momentos. Uma análise do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, em 1999, concluiu que, embora certos setores, como o de imóveis, pareçam ficar aliviados após exigências de mais capital, al especialistas " tiveram bem menos sucesso em identificar um impacto na esfera da economia agregada " . Acrescenta ainda que " ao promover a estabilidade financeira, seu efeito geral no crescimento econômico pode ser positivo ". Simon Johnson da Sloam School of Management, do MIT, defende em seu novo livro, " 13 Bankers " (13 banqueiros, em inglês), que apenas maiores exigências de capital não são suficientes. Ele defende o encolhimento das instituições grandes demais para falir até que possam arcar com sua quebra, sem receios ou favorecimentos. Johnson e o coautor James Kwak propõem limites mais estritos que obrigariam os bancos a livrar-se de ativos se quisessem fazer apostas como jogadores em cassinos. Os republicanos contrários ao resgate deveriam concordar. " Se não há instituições financeiras grandes demais para falir " , sustenta Johnson, " não haverá subsídios implícitos favorecendo alguns bancos e não a outros. Os credores e contrapartes desempenharão o papel necessário para assegurar que os bancos não assumam riscos demasiados. " O encolhimento faz sentido. Também vai bem além do que o Congresso está disposto a autorizar. O projeto de lei de Dood não inclui nem mesmo números específicos sobre as exigências de capital; isso é deixado para as autoridades reguladoras. É verdade que se os democratas tivessem tentado determinar altos níveis de capital, os grupos lobistas de Wall Street teriam intensificado sua campanha para derreter o projeto de lei. Teria sido, entretanto, uma batalha que valeria a pena travar - e um melhor uso de munição política do que brigar por uma agência de proteção dos consumidores. Mesmo se Dood prevalecer, não sabemos se as futuras autoridades reguladoras determinarão regras agressivas sobre liquidez e capital. Qualquer ação significativa quanto à liquidez e capital terá de ser materializada internacionalmente. Sem padrões globais, Wall Street colocará uma jurisdição contra outra em um jogo de arbitragem reguladora. Então, quando o show sobre a reforma financeira estiver concluído em Washington, será transladado para a Suíça, onde o Comitê de Supervisão Bancária da Basileia determina os padrões de 27 países e territórios. (Tradução de Sabino Ahumada)