Título: A bolsa empacada
Autor: Camba, Daniele; Perez, Antonio
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2010, Investimento, p. D1

de São Paulo

A Bovespa praticamente não saiu do lugar este ano. Para os investidores em ações, foi como se os primeiros três meses de 2010 não tivessem existido. O Índice Bovespa fechou o trimestre com um retorno acumulado de 2,60%, isso graças ao mês de março, quando o índice subiu 5,82%. Se dependesse de janeiro e fevereiro, o investidor teria amargado perdas. Contando abril, o Ibovespa apresenta valorização de apenas 1,21% este ano. Por que a bolsa não sai do lugar, se a economia doméstica ensaia crescer mais de 6% este ano? Primeiro, é preciso lembrar que boa parte das expectativas de bons resultados das empresas brasileiras já está refletida nos preços de ações. Não por outro motivo o Ibovespa subiu 82,66% no ano passado, uma recuperação espetacular no rescaldo da crise financeira que assolou o mundo. Mas a expectativa era de que, mesmo assim, as ações continuassem a dar alegrias ao investidor. Grande parte das estimativas para o Ibovespa gira em torno dos 80 mil a 85 mil pontos, o que significa uma valorização entre 16,64% e 23,93%, comparada com o fechamento da bolsa em 2009, aos 68.588 pontos. Uma alta de 20% no ano daria um retorno médio de 4,7% por trimestre. Mesmo com a expectativa de alta mais modesta este ano, a bolsa não ficou devendo. perspectivas de crescimento. " Esse percentual (4,7%) é maior do que o registrado no primeiro trimestre, mas nada absurdamente acima, podemos dizer que o mercado está seguindo o script esperado " , diz o analista da Gradual Investimentos Flávio Conde. Ele lembra que nos primeiros três meses a Bovespa só não entregou os 4% a 5% que se esperava graças aos problemas com a Grécia. De qualquer forma, a recuperação do índice em março pode ser um sinal de que as coisas estão voltando para os eixos. Para Conde, se os problemas com alguns países europeus começarem a se dissipar, o Ibovespa tem todas as condições de fechar 2010 na casa dos 81 mil pontos. " É bom lembrar que isso significa valorizações entre 5% e 6% por trimestre, qualquer ganho acima disso depende de uma boa seleção de ações " , afirma Conde. Sem surpresas negativas lá fora que afetem o fluxo de recursos para o Brasil, há grande chance de a bolsa embalar nos próximos meses, afirma Rodrigo Ferraz, chefe da área de análise da Brascan Corretora. Ele prevê, por ora, Ibovespa aos 79 mil pontos no fim do ano. " Estamos revisando as estimativas, após os resultados das empresas no quarto trimestre, melhores que o esperado " , afirma. Para Ferraz, a expectativa de crescimento dos lucros das companhias, que deve ficar evidente nos balanços do primeiro trimestre, sustenta a perspectiva de valorização do Ibovespa. " O que impede a bolsa de andar são os problemas lá fora " , diz Ferraz, que vê como principal obstáculo para uma alta do mercado as dúvidas sobre a recuperação da economia europeia, com os problemas de dívida de países como Grécia e Portugal. No caso dos Estados Unidos, ele julga que, apesar de questões pontuais, como as suspeitas de irregularidades cometidas pelo banco Goldman Sachs, já se observa uma retomada gradual do crescimento. Já a China, mesmo que refreie um pouco o ritmo de expansão, ainda vai crescer em um nível suficiente para sustentar uma elevação das commodities, algo fundamental para a bolsa brasileira. A alta de 5,82% do Ibovespa em março foi puxada justamente pelos papéis da Vale, impulsionados pelo reajuste do minério de ferro. Para o diretor de investimentos da Fundação Cesp, Jorge Simino, o que mais preocupa é que a valorização das ações está muito ligada ao fluxo internacional que, na visão dele, vive uma situação de anomalia. Com os juros muito baixos nos mercados desenvolvidos, há um enorme volume de dinheiro que migra para países com melhores taxas e Embora o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) dê sinais de que manterá a política monetária expansionista por um " longo período " , em algum momento haverá uma mudança de rota. " Essa enorme liquidez externa é algo absolutamente fora de padrão, o meu medo é o que irá acontecer com o mercado quando esse fluxo secar e voltar à normalidade " , diz Simino. Se depender de uma substituição do fluxo externo pelo local, o mercado pode ficar numa situação delicada. " Quem ainda não entrou na bolsa, não entrará agora com processo de aperto monetário, que deve começar a qualquer momento " , diz Simino. " Portanto, dá para imaginar uma bolsa positiva, mas sem grandes entusiasmos. " De fato, mesmo com a entrada de recursos estrangeiros na bolsa em março, o Ibovespa não foi capaz de superar os 71 mil pontos. Isso indica que o apetite externo pelo Brasil já não é tão forte. Pela análise de múltiplos, como o Preço/Lucro (P/L) - que indica o tempo de retorno dos investimentos -, a bolsa brasileira já não está tão barata como em 2009. Isso faz com que os investidores migrem para mercados com maior potencial de retorno (veja mais na página 2). " A bolsa não é mais uma pechincha, mas ainda tem potencial para subir " , ressalta a analista da Ativa Corretora Mônica Araújo, que projeta o Ibovespa aos 82 mil pontos no fim do ano. " O múltiplo P/L estimado para o próximo ano, por volta de 13, não é tão atraente, mas é preciso ajustá-lo à nossa capacidade de crescimento " , alerta. Ela também não vê motivos para o investidor local ter receio da bolsa por causa da iminência de uma alta da taxa Selic no Brasil, embora juros mais elevados signifiquem custos financeiros maiores para as companhias. Os preços das ações, avalia, já estão ajustados à perspectiva de uma elevação da taxa, hoje em 8,75% ao ano, em dois ou três pontos percentuais. " O nível de atividade seguirá forte, e as empresas vão entregar bons resultados " , diz, ressaltando que a única preocupação no front interno é o processo de capitalização da Petrobras, que pode acabar retardando a subida do Ibovespa. A alta da Selic pode ser compensada pela redução do risco-país, o que diminui o custo de capital das empresas, afirma o analista chefe da corretora Ágora, Marco Melo, mantém a projeção de 82 mil pontos para o Ibovespa no fim deste ano. " Poderia até aumentar esse número, pois o risco-Brasil caiu, para 180 pontos base (1,8 ponto percentual acima do juro dos títulos americanos), mas prefiro manter " , diz. Segundo ele, a estimativa leva em conta um risco de 230 pontos (2,3 pontos percentuais). Nos cálculos de Melo, a cada 100 pontos-base de queda na taxa de risco-Brasil, o Ibovespa teria potencial de alta de 8% aproximadamente, e vice-versa.