Título: A reforma do Código de Processo Civil
Autor: Roberto , José
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2010, Legislação & Tributos, p. E2

Foi criada uma comissão pelo Senado Federal, formada por ilustres processualistas, com o propósito de elaborar um anteprojeto para a edição de um novo Código de Processo Civil (CPC). A primeira etapa dos trabalhos dessa comissão já foi concluída. Foram apresentadas algumas proposições que servirão de norte no desenvolvimento do anteprojeto.

Uma das proposições é a de "incluir na Parte Geral em parte própria à legitimidade para agir, um incidente de coletivização (nome provisório), referente à legitimação para as demandas de massa, com prevenção do juízo e suspensão das ações individuais".

Não há dúvida. A ideia de unificar o julgamento de demandas que envolvem interesses coletivos, nas instâncias ordinárias, para evitar decisões conflitantes, é de todo louvável. Entretanto, alguns cuidados devem ser tomados.

O caminho mais seguro para a simplificação do processo, uma das diretrizes da reforma proposta, não passa pela criação de um novo incidente processual. Ao revés, inclina-se para extinção dos já existentes. A criação de novo incidente de coletivização, como proposto, com todo respeito às doutas opiniões em contrário, está em dissonância com o espírito que vem norteando a construção do novo código.

A criação de novo incidente processual deve ser evitada, na medida em que, ordinariamente, suscita novas quizilas processuais que acabam por criar embaraços ao procedimento, além de assoberbar os tribunais com recursos.

Não se pode esquecer, no tocante ao ponto, que já existe mecanismo legal, dentro do arcabouço legislativo processual vigente, apto a atender de forma satisfatória, as demandas envolvendo interesses coletivos. Afora os procedimentos disponíveis, dentro do sistema de controle concentrado, a ação cível pública é suficiente para dar solução aos litígios universais - embora seu procedimento deva ser atualizado à realidade da justiça.

É bem verdade que o sistema hoje em vigor não está imune à crítica. A mais comum condena a possibilidade de ocorrência de decisões conflitantes, no caso de demandas múltiplas. Para superar este inconveniente, todavia, em lugar de criar um novo incidente, bastaria aprimorar as regras que disciplinam a suspensão dos processos similares.

Ao se determinar a suspensão das demandas repetitivas, poder-se-ia escolher um ou mais processos, de preferência ações coletivas, de iniciativa do Ministério Público ou de associações de classe, com melhor representatividade ( v.g. Idec). A suspensão das causas similares poderia ser determinada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de conflito de competência - já há precedente a respeito, v.g. CC 107.932. Seria suficiente para tanto que o conceito legal de conexão de causas venha a ser alargado para abranger demandas repetitivas.

A escolha de mais de uma demanda coletiva deve ser, sempre que possível, a primeira opção. A diversidade de causas, tramitando sob o comando de diferentes magistrados, mais consentânea com nosso sistema processual, garante um maior contraditório sobre o tema, bem como facilita o acesso dos interessados à justiça.

Outro motivo: a experiência ensina que causas de valor econômico relevante, como normalmente o são as demandas coletivas, atraem, muitas vezes, ingerências indevidas sobre o magistrado que conduz o processo. A escolha de mais de um magistrado para lidar com demandas coletivas, nestas circunstâncias, certamente atenuaria os efeitos nocivos que esse tipo de interferência externa pode gerar no processamento e julgamento das causas.

Seria recomendável, ainda, que a escolha das demandas coletivas representativas da controvérsia recaísse sobre processos coletivos em trâmite em diferentes localidades, quando a causa versar sobre temas de abrangência nacional. A competência para julgamento de uma ação coletiva dessa natureza deve ser da comarca da capital . Evitam-se, assim, transtornos para os jurisdicionados (presume-se a capital lugar de mais fácil acesso) e se dá mais segurança jurídica ( o foro da capital, em regra, é melhor aparelhado). Seria também conveniente que esses processos tramitassem em varas especializadas (como, v.g., no Rio de Janeiro, as varas empresarias).

Em relação aos processos individuais, a concentração do processamento e julgamento de demanda coletiva poderá gerar algumas perplexidades. Pelo menos uma merece especial atenção. Se o processo coletivo vier a suspender todas as demandas sobre o mesmo tema, indistintamente, poderíamos nos deparar com a seguinte situação: o autor, que teve seu processo suspenso logo em seu início, fica obrigado a esperar por anos até o julgamento definitivo da causa coletiva. Retomado o prosseguimento do feito, o juiz verifica que o autor é parte ilegítima para causa, julgando, então, extinto o processo. O mesmo poderia acontecer em relação à prescrição, entre inúmeras outras hipóteses.

Isto é razoável? Será que, nestas hipóteses, estar-se-ia cumprindo a cláusula constitucional que assegura a todos os cidadãos um processo célere e eficaz? Lembro que nestes casos nenhum ganho, em termos de qualidade do serviço jurisdicional, será alcançado. Ao contrário. Haverá perda.

Os juízes terão que processar e julgar estas causas do mesmo modo que o fariam se enfrentassem o mérito, sob o enfoque das questões preliminares. Os tribunais, idem. O processo, por sua vez, demorará o dobro do tempo - processo coletivo mais processo individual.

Sugestões para superar, ou ao menos, minimizar o problema: processo coletivo deve ter tramitação prioritária; a suspensão do processo individual somente deve se dar após o despacho saneador; e ao juiz seria facultado conceder a antecipação de tutela (ressalvado o direito de recorrer). Espero, com estas ponderações e sugestões, ter contribuído para o enriquecimento dos debates.

José Roberto de Albuquerque Sampaio é advogado e mestre em direito processual pela UERJ.

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