Título: Campanha entra em zona de turbulência
Autor: Costa, Raymundo; Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2010, Política, p. A6

de Brasília

Pressionado pela campanha da ex-ministra Dilma Rousseff, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai pedir para o deputado Ciro Gomes (PSB) retirar sua candidatura presidencial e apoiar a chapa governista. Até ontem, no entanto, o deputado do Partido Socialista não havia respondido aos telefonemas feitos por Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula. A candidatura Ciro é apenas um em uma série de problemas que apareceram na campanha de Dilma, desde que a ex-ministra deixou o governo e passou a fazer sozinha o corpo-a-corpo da política. O desempenho da candidata e a estratégia de campanha, antes questionadas isoladamente por líderes petistas, atualmente já é motivo de discussão na direção nacional do PT. Como sempre ocorre nessas ocasiões, até o ex-ministro José Dirceu, antecessor de Dilma na Casa Civil, recebeu apelos para intervir mais em assuntos da campanha - e limitou-se a responder que fazia o que era possível a seu alcance. "Eu estou rodando. Em dois meses, já fui a dez Estados. Em alguns eu voltei", disse a petistas. "O problema Ciro passou do ponto", disse ao Valor um dirigente da campanha governista. No "bunker" da candidatura oficial, o que se diz é que "Ciro está ficando isolado e isso é ruim para nós e para ele". No cenário eleitoral de outubro, avalia-se, "não há espaço para uma terceira via", como é vista a candidatura de Ciro Gomes. Para retirar logo Ciro da disputa, o PT está disposto a abrir espaço para Ciro na campanha de Dilma. Pode ser na nacional, mas também na regional - uma coordenação para o Nordeste, por exemplo, apesar de Ciro ter transferido seu título para São Paulo. "Ciro é um problema do PSB que o Lula pode desenrolar, o PT não tem o que fazer", diz um dirigente da campanha. "O melhor cenário é ele vir para a coordenação, o pior é ele sair esculhambando o PT e a Dilma." Apesar de o PSB ter avisado que pretende encaminhar uma solução partidária, a campanha quer que Lula resolva o problema e peça para o deputado retirar sua candidatura. A campanha reclama da falta de iniciativa de Lula neste caso, muito embora reconheça que a empreitada é arriscada devido à "imprevisibilidade" de Ciro. O temor é que o deputado se volte contra a candidata escolhida por Lula no PT. A campanha de Dilma atravessa uma área de turbulência desde que sua candidatura deixou de apresentar um crescimento geométrico nas pesquisas. Ao contrário do que esperava o PT, Dilma não fez o "xis" no tucano José Serra - manobra no automobilismo pela qual o piloto retoma a posição que tinha na corrida logo após ser ultrapassado pelo adversário, em uma curva. A imagem é inadequada porque Dilma nunca esteve em primeiro, mas seus índices cresceram rapidamente até a última semana de fevereiro, quando ficou a quatro pontos de José Serra, segundo o Datafolha. Quando todas as apostas petistas eram que Dilma passaria o candidato do PSDB, na pesquisa seguinte do Datafolha Serra apareceu nove pontos à frente; na semana passada, estava a dez. A reação da campanha foi questionar a pesquisa Datafolha. Um de seus dirigentes disse ao Valor que o instituto precisava explicar por que fizera uma mudança no peso conferido à região Sudeste, onde fica São Paulo e o tucano José Serra é reconhecidamente mais forte. O instituto deu explicações consideradas satisfatórias tecnicamente (a amostragem de março em São Paulo fora aumentada porque o Datafolha fizera também a pesquisa estadual, mas os dados foram ponderados). O episódio expôs a tensão que é permanente na campanha de Dilma nos assuntos relacionados à imprensa. O Datafolha é o instituto de pesquisa do jornal "Folha de S. Paulo", que o governo e o PT consideram de oposição. Não surpreendeu, portanto, que os auxiliares de Dilma considerassem propaganda subliminar a campanha que a TV Globo preparou para comemorar seu aniversário de 45 anos, um terceiro fator de tensão na campanha governista. Quarenta e cinco é o número do PSDB. Além disso, a campanha da emissora, preparada ano passado, tinha um bordão - "todos queremos mais" - parecido com o Brasil "pode mais", enunciado de José Serra que é mote da campanha do PSDB. A rede de tevê preferiu suspender as peças depois de ter sido acusada na rede de fazer "campanha subliminar" pelo coordenador de comunicação de Dilma na internet, Marcelo Branco. O efeito colateral é que a campanha de Dilma passou a ser acusada de "censura" por alguns internautas. A campanha de Dilma também é questionada no PT por algumas decisões consideradas erradas no partido. A visita ao túmulo de Tancredo Neves está relacionada entre esses erros, mas o exemplo preferido é o da viagem ao Ceará, Estado governado por Cid Gomes, irmão de Ciro Gomes e também do PSB. Dilma só foi atendida por Cid após a intermediação do presidente do PT, José Eduardo Dutra. O caso é emblemático por expor um certo "amadorismo" - Dilma viajou ao ceará sem acertar antes toda a agenda com os políticos locais. Apesar da explicação de que as palavras da ministra foram deturpadas, a frase dúbia sobre a participação dos exilados na redemocratização do país causou mal-estar entre os próprios simpatizantes da candidatura. Trata-se de uma discussão já travada na esquerda. Nos "anos de chumbo", a Ação Libertadora Nacional (ALN) já fizera a autocrítica do enunciado de Carlos Marighela, no ritmo da música popular: "Quem samba, fica/ quem não samba vai embora".

À época, avaliou-se que exilados como Leonel Brizola faziam pela redemocratização o que não podiam fazer os que estavam no país presos e sofrendo tortura.