Título: Projeção de inflação sobe por 13 semanas consecutivas
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2010, Brasil, p. A3
João Villaverde, de São Pauloapenas seis meses, as expectativas do mercado financeiro quanto a inflação no fim deste ano aumentaram em um ponto percentual. As previsões de preços mais altos vêm piorando semana a semana consecutivamente desde 18 de janeiro. As cerca de cem instituições financeiras ouvidas pelo Banco Central no boletim Focus apostam, agora, que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador de inflação do país, vai terminar o ano em 5,32% - 0,82 pontos percentuais acima da meta perseguida pelo BC para o ano.
Assim, se balizar-se pelo que estima o Focus, o Banco Central deve começar a agir para trazer o IPCA para a meta de 4,5%, elevando a taxa de juro, hoje estacionada em 8,75% ao ano. O Focus, no entanto, vai além: estima que os juros alcançarão 11,5% ao ano em dezembro e, ainda assim, não será capaz de ancorar os preços no varejo.
As estimativas do mercado divulgadas ontem pelo BC apresentaram a 13ª alta consecutiva de IPCA para o fim de ano. Desde que o BC começou a colher informações do mercado, em 2001, em apenas dois momentos as expectativas do mercado se deterioraram por tempo mais prolongado: em 2002, por 17 semanas, e em 2008, por 22 semanas. Nos dois períodos, o BC entrou em campo apertando a política monetária. Em 2002, a taxa de juros básica, a Selic, passou de 19% ao ano, em janeiro, para 25% ao ano, em dezembro. A Selic entrou em trajetória de queda, até alcançar 11,25% em setembro de 2007. As previsões pessimistas do Focus, no ano seguinte, serviram de gatilho para novo processo de elevações da Selic, que saltou dos 11,25% para 13,75% ao ano, em dezembro de 2008.
O debate quanto à influência das expectativas do Focus no processo decisório do BC ganha força diante da proximidade da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que ocorre na semana que vem. Há nove meses que a Selic está fixada em 8,75%, mas diante da alta inflacionária verificada no primeiro trimestre deste ano, e da decisão rachada na última reunião do Copom - quando três dos oito diretores votaram pela elevação da Selic -, o mercado aposta que o BC vai aumentar os juros. A dúvida dos economistas de bancos e consultorias está no tamanho da alta - se será de 0,5%, 0,75% ou mesmo 1%.
" A alta da Selic não atinge o consumidor de forma direta, como em países desenvolvidos, onde os juros básicos e as taxas cobradas pelos bancos em empréstimos são próximas. Aqui, devido ao enorme spread, a alta da Selic acaba por impactar mais as contas públicas " , afirma Amir Khair, especialista em contas públicas. O economista calcula que se o BC elevar a Selic a 11,25% ao ano - menos, portanto, do que os 11,5% precificados pelo Focus ontem - o governo gastará R$ 13 bilhões a mais em um ano. Khair leva em conta apenas a correção dos títulos públicos fixados pela Selic, que, em fevereiro, respondiam por 37,7% dos títulos em circulação. " Mas o impacto é subestimado, porque não só a demanda por papéis pós-fixados aumenta como os pré-fixados passam a embutir taxas mais altas " , diz.
" A demanda está forte e continuará forte, independentemente da Selic em alta. Além disso, a inflação foi muito influenciada por fatores sazonais, o Focus não pode estipular que a alta deste começo de ano irá se repetir até dezembro " , avalia. Para Khair, o boletim Focus não é o instrumento mais adequado para servir de termômetro da atividade ao BC. Segundo o economista, o Focus é " muito concentrado nas previsões de instituições financeiras e pouco abrangente em relação ao resto da sociedade. "
O Banco Central não divulga as instituições que contribuem para o boletim, mas sabe-se, pela divulgação da lista mensal de instituições que mais acertaram previsões, que são, na maior parte, bancos, gestoras de recursos e consultorias econômicas. " Ninguém é proibido de participar de Focus. O ponto é que, para participar, é preciso desenvolver modelos de uma série de indicadores, e isso, evidentemente, é feito principalmente por instituições financeiras, que têm uma vantagem comparativa com outros órgãos e companhias da economia " , avalia José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator.
Gonçalves cita a pesquisa de opinião realizada pela " Bloomberg " mensalmente com cerca de 50 economistas americanos. Para ele, é possível distinguir três grupos na pesquisa. Os economistas de bancos e instituições financeiras costumam ser mais otimistas com o resultado do PIB, pouco à frente dos analistas de consultorias econômicas, enquanto os acadêmicos costumam ser mais críticos, estimando resultados menos promissores. " Isso se repete no Brasil " , diz.
Para Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander e ex-diretor do BC, o Focus faz parte de um conjunto de informações relevantes que os diretores do BC levam em consideração, além de modelos próprios. " É errado imaginar que o BC se baliza apenas pelo Focus. Ele é apenas um insumo na hora de estimar a política monetária " , afirma. Além disso, ressalta Schwartsman, as estimativas semanais do Focus servem para " ocupar " o espaço do relatório de inflação do BC, que é divulgado de três em três meses. Assim, diz ele, " pode-se usar o Focus nos modelos econométricos de cada instituição " .
No relatório divulgado ontem, o Focus, além de estimar valores superiores de PIB, IPCA e Selic, também revisou outros índices. O IGP-M para este ano avançou de 7,69% para 7,99% e o IPC-Fipe foi de 5,39% para 5,45%. " O efeito esperado do reajuste do minério e de outros produtos (remédios e vestuário), elevou as expectativas para os três índices de inflação consultados " , diz o Santander em relatório, que mantém projeções, tanto para a Selic 2010 (12% ao ano), como para o IPCA (5,5%), acima do que espera o mercado.
Depois de instituído, em 1999, o sistema de metas de inflação passou a depender muito das expectativas. As ações do BC, além de visarem a convergência dos preços para sua meta, também servem para amainar a deterioração mais profunda das expectativas do mercado. (Colaborou Fernando Travaglini, de Brasília)