Título: Camargo e Odebrecht vão disputar Belo Monte
Autor: Goulart , Josette
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2010, Brasil, p. A4

As três maiores construtoras do país vão juntas hoje ao leilão da hidrelétrica de Belo Monte, num consórcio de construção liderado pela Andrade Gutierrez com oferta firme para o consórcio Belo Monte Energia. O acordo final estava sendo costurado na noite de ontem, mas extra-oficialmente as partes já confirmavam a sociedade. " Estamos fechando ainda. A negociação vai noite adentro, mas são só detalhes e tudo estará 100% fechado até a hora do leilão " , disse fonte ligada a uma das construtoras.

Dessa forma, Camargo Corrêa e Odebrecht, mesmo sem liderar consórcios, voltam à disputa, mas como construtoras, não como investidoras. Até o fechamento desta edição, a confirmação do leilão dependia de decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região.

A união das três se dá às vésperas de um leilão em que o governo vem interferindo desde o ano passado. Chegou a desmontar um consórcio único formado justamente pelas três construtoras, que fizeram juntas todos os estudos de Belo Monte. O governo queria garantir a competição e conseguiu formar dois consórcios. Há poucas semanas da disputa, Camargo e Odebrecht anunciaram a saída. Foi então que o consórcio formado pela Bertin e sete construtoras deu fôlego à licitação. Esse consórcio tem as construtoras Queiroz Galvão e J. Malucelli entre as principais empreiteiras à frente das obras, se ganharem o leilão.

Mas o consórcio Norte Energia entra na disputa com uma desvantagem, já que as outras três construtoras são as que mais conhecem o projeto e conseguem . De qualquer forma, no leilão da hidrelétrica de Jirau, a Camargo Corrêa junto com a Suez também não tinha os anos de estudos da Odebrecht na obra e surpreendeu ao levar a usina com uma tarifa inferior e um projeto completamente diferente daquele apresentado até então.

De qualquer forma, a ausência das duas maiores construtoras do país na liderança de qualquer consórcio para a licitação da usina de Belo Monte vai marcar mudança do cenário da construção pesada no país. Mesmo participando do consórcio construtor, chamado de EPCista, a Camargo Corrêa e Odebrecht cederam lugar à liderança da Andrade Gutierrez. A construtora de origem mineira pode assim tomar o segundo lugar do setor, que hoje pertence à Camargo.

Se o consórcio considerado " zebra " ganhar, a Queiroz Galvão é que ficará em situação privilegiada no ranking das construtoras. A disputa de hoje vale um contrato estimado em pelo menos R$ 10 bilhões. Esse é o valor calculado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Número que chegou a ser revisado pelo presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, e que, mesmo assim. ainda é considerado baixo. Os empreendedores estimam que se pague ainda mais pelas obras civis de Belo Monte.

A Queiroz Galvão é a quarta maior construtora do país. Em 2008, ano-base usado pela publicação Valor 1000, que faz o ranking das maiores empresas do país, a construtora registrou uma receita líquida de R$ R$ 2,59 bilhões. A construtora tem pouca experiência no setor hidrelétrico, se comparada às principais concorrentes, e se ganhar Belo Monte pode ser alçada no setor de energia como construtora.

Ainda de acordo com o ranking Valor 1000, em terceiro lugar no setor de construção e engenharia, está a Andrade Gutierrez com R$ R$ 3,45 bilhões. A maior delas é a Odebrecht com faturamento líquido de R$ 4,66 bilhões. A construtora Camargo Corrêa ocupa a segunda posição com receita de R$ 4,16 bilhões.

A Andrade Gutierrez está à sombra da Odebrecht em importantes obras de hidrelétricas, como foi o caso da usina de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia. No ano passado, por volta do mês de setembro, já tinha inclusive se unido à própria Odebrecht para juntas disputarem Belo Monte como construtoras e investidores. No meio do caminho, entretanto, as duas se separaram e Odebrecht se uniu à Camargo Corrêa. O governo tinha temor de que as três continuassem juntas e respirou aliviado quando a Andrade anunciou que faria um novo consórcio.

O medo vinha do fato de as três já terem feito juntas os estudos na região de Altamira, no Pará, sobre a hidrelétrica. Mas é a Camargo Corrêa quem tem a maior expertise, por ter liderado o processo tendo inclusive o atual presidente da Eletrobras, José Antonio Muniz, como o funcionário que elaborou o projeto. Mas Camargo e Odebrecht se uniram, e abriram caminho para que a Andrade Gutierrez se tornasse líder nessa empreitada.

Agora, depois de tantas idas e vindas, e do surgimento de um novo consórcio formado por sete construtoras - sendo a Queiroz Galvão a maior delas - as três podem novamente se unir. Até semana passada, ainda na tentativa de convencer o governo de que as condições do leilão não davam condições de disputa, a Camargo e a Odebrecht estavam pressionando fortemente os preços da obra e o governo estava preocupado.

Para a Andrade, a sociedade com Camargo e Odebrecht lhe traz uma boa vantagem competitiva. A Camargo Corrêa é líder inconteste na construção de hidreletrecidade. Das cinco maiores hidrelétricas do país já construídas ou em construção, ela só não está na obra da usina de Santo Antônio. A empreiteira ajudou a construir Itaipu, foi responsável por Tucuruí, no Pará, que tem mais de 8 mil MW de potência, além de Ilha Solteira, a maior hidrelétrica do Estado de São Paulo. E a construtora ainda lidera as obras da usina de Jirau, no rio Madeira.

A usina hidrelétrica de Belo Monte será um marco no setor de construção e engenharia também pelo gigantismo da obra. As empreiteiras vão promover escavações maiores do que as feitas para a abertura do Canal do Panamá. As escavações serão feitas em meio à floresta amazônica para formar um canal que vai desviar as águas do rio Xingu, permitindo uma queda de 90 metros e assim a formação de um reservatório com menor impacto ambiental. De qualquer forma, o reservatório de Belo Monte terá uma área inundada de 516 metros quadrados.