Título: Morosidade federal: inimiga da saúde e dos cofres públicos
Autor: Scheinberg, Morton
Fonte: Correio Braziliense, 05/07/2010, Opinião, p. 12

Coordenador de pesquisas clínicas e diretor científico do Hospital Abreu Sodré-AACD (especializado em sistema músculo esquelético), ph. D. em imunologia pela Universidade de Boston, livre docente em imunologia pela USP, clínico e reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) A artrite reumatoide é responsável por cerca de 40% das consultas em ambulatórios de reumatologia, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, e é, de acordo com a Previdência Social, a causa de 7,5% de todos os afastamentos do trabalho no País e a quarta a determinar aposentadoria ¿ 6,2% dos casos.

Mas, além de tudo isso, a doença contribui para fazer crescer outro número que envergonha a sociedade: os imensos gastos na compra de remédios por ações judiciais pelo Ministério da Saúde.

O tratamento da artrite reumatoide é predominantemente ambulatorial com o uso de anti-inflamatórios, visa restaurar a qualidade de vida e prevenir a destruição articular. Porém, em aproximadamente dois terços dos casos, os pacientes não respondem aos tratamentos com estas drogas e passam a necessitar o uso de imunobiológicos, medicamentos conhecidos como ¿terapia-alvo¿.

Mesmo apresentando respostas favoráveis ao uso da medicação biológica, muitos pacientes perdem com o tempo os resultados favoráveis iniciais ou passam a observar eventos adversos, necessitando de novas medicações, já disponíveis no mercado, mas ainda sem autorização para inclusão na lista pública de medicamentos da alta complexidade do Ministério da Saúde ¿ caso do abatacepte, do rituximabe e do tocilizumabe ¿ e distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Desde modo, torna-se importante para os pacientes que apresentam formas mais graves da doença que este grupo de medicamentos seja de livre acesso no SUS, após a prescrição pelo reumatologista que o acompanha. Como a Constituição aponta ao Estado o dever da garantir a saúde da população, sobra ao paciente recorrer à Justiça para conseguir o tratamento.

E isso é mais comum do que imaginamos. As ações impetradas em busca de medicamentos que não constam nas listas ¿ de todas as classes terapêuticas ¿, apenas em São Paulo, por exemplo, somam 25 mil, gerando à Secretaria Estadual da Saúde gastos de R$ 25 milhões para cumprir ordens judiciais. O dado é ainda mais alarmante quando observamos todas as esferas: apenas em 2009, cerca de R$ 2 bilhões foram destinados para cumprir as liminares.

Muito se tem discutido judicial e legislativamente e decisões têm sido tomadas a favor da população, como a recente determinação do Senado de obrigar o Ministério da Saúde a atualizar sua lista de remédios todos os anos. Mas ainda há muito o que fazer. Mesmo com a lista atualizada, ainda esbarra-se na morosidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela aprovação e pelo registro de novos fármacos para que estes possam ir ao mercado.

Sem a agilidade da Anvisa, perde o sistema de saúde brasileiro, que continuará sofrendo com mandados de segurança para fornecer medicamentos e com a dispensa de recursos que poderiam ser evitadas, mas perde muito mais a população, renegada a um tratamento muitas vezes ineficaz e que cuja evolução, por vezes, é pouco eficiente.