Título: O melancólico aniversário dos 50 anos de Brasília
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2010, Opinião, p. A12
Não foram necessários mais do que 13 votos. Bastaram apenas 13 votos para que se elegesse como governador do Distrito Federal o advogado Rogério Rosso, filiado ao PMDB. Com a chancela de sete deputados distritais envolvidos nas investigações que levaram o ex-governador José Roberto Arruda (ex-DEM) à prisão por 61 dias, Rosso irá comandar, amanhã, as festividades de comemoração dos 50 anos de uma capital federal que, inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitschek em 1960 como símbolo do futuro, vai comemorar seu meio século envergonhada de sua elite política atrasada, que se especializou unicamente em dividir butins confiscados de todo o país.
Rosso participou do governo do DF nos últimos 10 anos. Foi presidente da Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central (Codeplan) no governo Arruda - a estatal é investigada na CPI da Assembleia Distrital como o órgão que originou o esquema de desvio de recursos. Foi secretário de Desenvolvimento Econômico e administrador de Ceilândia no governo do antecessor de Arruda, Joaquim Roriz (PSC) - e as investigações da PF chegam perigosamente a Roriz. A eleição indireta de Rosso pela Câmara Distrital, no sábado, foi articulada por Arruda, recém-saído da prisão. Contou com a " base de apoio " dos dois ex-governadores. A vice eleita, Ivelise Longhi, foi secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação no governo Roriz e administradora de Brasília no governo Arruda.
Não é incomum a opção constitucional pela eleição indireta para preencher um cargo vago no Executivo, quando a vacância ocorre até um ano antes das eleições. O problema da eleição de Rosso não é esse, mas os outros elementos que levam a questionar a sua legitimidade. Rosso não apenas tem um vínculo conhecido e assumido com os dois últimos governadores, como deve a sua eleição a parlamentares acusados de participar do esquema de corrupção do DF. A eleição direta, adotada às pressas pela Lei Orgânica do Distrito Federal para supostamente dar uma resposta à crise institucional aberta pela operação da Polícia Federal que colocou a nu o grupo no poder em Brasília, vai se tornar uma extensão da crise.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, manteve o pedido de intervenção federal no DF, que deverá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por questionar a legitimidade da eleição, devido ao grande número de parlamentares - os eleitores do pleito indireto - envolvidos nas denúncias que resultaram no afastamento de Arruda. As investigações apontam o envolvimento de mais de 26 deputados, entre titulares e suplentes, nas fraudes agora sob a alçada do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Câmara Distrital é composta por 24 deputados distritais.
É uma situação quase que insustentável, inclusive porque o mesmo grupo, mas agora com outras caras, continuará administrando a cidade. Reportagem de Raymundo Costa e Juliano Basile, publicada no Valor de ontem, mostra o quão distorcida é a situação do DF, em comparação com os outros Estados da Federação e com outras cidades administrativas. Washington, por exemplo, arrecada aproximadamente 70% de sua receita e o resto de suas despesas é financiado pelo governo americano. O Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), bancado com arrecadação federal, representa 73% de suas receitas. Além dele, o DF recebe sua cota do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e tem a folha de pessoal do Ministério Público e da Justiça pagos pela União. Os repasses federais via FCDF já são da ordem de R$ 6 bilhões. Só no período entre dezembro de 2009 e março de 2010, a Controladoria Geral da União (CGU) detectou 177 irregularidades na utilização da verba federal repassada ao DF por 21 órgãos.
A intervenção no DF causa transtornos para todo o país, já que a Constituição define limitações - inclusive de ordem legislativa - durante a sua vigência. Mas é difícil imaginar que a população do DF esteja feliz com a solução dada pelos mesmos, em favor dos mesmos. A manifestação à porta da Assembleia que elegia indiretamente o candidato de Arruda mostra que não. Há pesar evidente no aniversário de 50 anos da capital federal. Que a população de Brasília reaja a isso em outubro, excluindo de sua vida, pelo voto direto, aqueles que se apossaram da capital de JK.