Título: Colheita, novo foco de crise na citricultura
Autor: Lopes , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2010, Agronegócios, p. B15

A ação civil pública na qual o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Araraquara pede o fim da terceirização da colheita de laranja por parte das grandes indústrias exportadoras de suco radicadas em São Paulo tumultuou ainda mais as já esgarçadas relações entre as empresas e seus fornecedores de matéria-prima e motivou o governo do Estado a novamente tentar mediar um armistício entre as partes.

Assinada por sete procuradores de diferentes regiões paulistas, a ação foi apresentada pelo MPT na Justiça do Trabalho de Matão, também no interior paulista, em 11 de fevereiro. Nela, os procuradores pedem o encerramento da intermediação da colheita dos fornecedores das grandes indústrias (Cutrale, Citrosuco, Citrovita e Louis Dreyfus) no país, ainda que os negócios das companhias se concentrem em São Paulo.

Na mesma ação, o Ministério Público do Trabalho pede a condenação dos grupos acionados por dano moral coletivo acumulado nas três últimas safras no valor total de R$ 400 milhões, divididos segundo o peso de cada uma no mercado. Assim, à Cutrale foi pedida uma indenização de R$ 150 milhões, o valor da Citrosuco (grupo Fischer) ficou em R$ 135 milhões, o da Citrovita (grupo Votorantim) é de R$ 60 milhões e para a Louis Dreyfus o cálculo resultou em R$ 55 milhões.

A ação deveria ser julgada na Vara do Trabalho de Matão no dia 30 deste mês, mas foi retirada da programação prevista para o dia em questão e até o fechamento desta edição não havia sido reagendada. O MPT calcula em cerca de 200 mil o número de colhedores de laranja em São Paulo e, segundo o procurador Cássio Calvilandi Dalla-Déa, autor do texto da ação, é nas condições de trabalho deste universo, muitas vezes abaixo dos padrões mínimos exigidos, que o processo se concentra.

" A ação é resultado de outras ações envolvendo irregularidades trabalhistas " , afirmou Dalla-Déa ao Valor. Segundo ele, é por isso que apenas as quatro grandes indústrias, alvos desses outros processos, estão no alvo. As quatro também são investigadas por uma suposta formação de cartel pelas autoridades federais antitruste e pela Justiça paulista.

Elas negam a prática, mas veem relação entre os dois focos de pressão. Curiosamente, as indústrias transferiram a responsabilidade da colheita para os citricultores que lhes fornecem a matéria-prima em 1994, na esteira de outra investigação de cartel que também pôs fim ao contrato-padrão que norteava as relações entre as partes no que se refere aos preços da fruta entregue para processamento e produção de suco.

A ação civil pública define a colheita de laranja como atividade-fim das indústrias de suco. O procurador Dalla-Déa reconhece que há muito em comum nesta relação com outros segmentos do agronegócio. As usinas sucroalcooeleiras, por exemplo, trabalham com fornecedores de cana e não tem de fazer a colheita. Tradings de soja, milho, café e algodão, por exemplo, também não têm essa responsabilidade. " Desse ponto de vista, outras cadeias também poderiam ser incluídas " , disse ele.

Então, qual a diferença da laranja? Para o procurador, ela vem de questões como os contratos de fornecimento antecipado que vigoram na cadeia e no rigor excessivo das indústrias em questões como o ponto de maturação da fruta e do volume de entregas. E, claro, os precedentes judiciais já apontados. Se a ação foi julgada procedente, a cadeia certamente terá um prazo para se adaptar e, depois desse prazo, o Ministério Público do Trabalho quer o estabelecimento de uma multa diária de R$ 1 milhão para quem não cumprir. A colheita da safra 2010/11 começará a pegar ritmo em maio em São Paulo, e deverá render cerca de 300 milhões de caixas de 40,8 quilos.

" A ação tem pontos negativos. Pode privilegiar a colheita em algumas fazendas em detrimento de outras, por exemplo, e pode motivar a redução dos valores pagos pelas indústrias por conta do aumento de custos que elas terão. Mas, em contrapartida, reduzirá a influência das empresas no ritmo da colheita, transferirá a elas os encargos trabalhistas dos colhedores e os custos com os equipamentos de segurança e certamente reduzirá as devoluções de cargas supostamente fora dos padrões " , afirmou José Osvaldo Junqueira Franco, presidente do Sindicato Rural de Bebedouro, um dos polos paulistas de produção, e membro da mesa diretora de citricultura da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp).

Junqueira Franco calcula que, na nova safra, o custo básico da colheita girará entre R$ 0,35 e R$ 0,40 por caixa de 27,2 quilos, ou mais ou menos US$ 1 por caixa de 40,8 quilos.

Na própria Faesp, contudo, há produtores que não concordam em ser obrigados a abrir as porteiras de suas propriedades para a entrada de colhedores contratados pelas indústrias. Entre outros fatores, por conta da rápida e fácil proliferação da doença conhecida como greening, causada por uma bactéria e transmitida por insetos. E por serem suas fazendas propriedades privadas, não sujeitas a esse tipo de " inspeção " das indústrias.

" E se a indústria simplesmente se recusar a colher? E os pequenos produtores, como ficariam nesse caso? Indústria e produtor precisam um do outro e têm de buscar um consenso sobre a questão " , afirmou o Secretário da Agricultura de São Paulo, João Sampaio. O secretário voltou a estimular encontros entre as partes em busca de consensos em uma cadeia que exporta mais de US$ 1 bilhão em suco de laranja por ano. Em seu mandato, Sampaio já tentou arbitrar algumas negociações fitossanitárias e de preços entre empresas e citricultores, mas sempre enfrentou muitas dificuldades nesse sentido.

As indústrias, por sua vez, não estão nada satisfeitas com a ação do MPT. " É uma posição que visa defender o trabalhador, mas está desconectada da realidade. O foco deveria estar em produtores que não pagam integralmente os direitos trabalhistas dos colhedores e recorrem a " gatos " . Desta forma, a ação poderá inclusive prejudicar pequenos produtores que deveriam estar sendo defendidos " , afirma Christian Lohbauer, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Sucos Cítricos (CitrusBR), criada em junho de 2009 pelas quatro empresas citadas na ação.

Todas as partes reconhecem que, até por uma questão de escala, as empresas, se forem obrigadas a colher toda a laranja que usam, privilegiarão seus pomares próprios - que respondem por cerca de 30% de sua demanda total pela fruta -, depois se dedicarão a grandes fornecedores e, se necessário, partirão para as pequenas propriedades. E que, em um Estado que já " perdeu " cerca de 20 mil citricultores nas últimas décadas, o risco de outros milhares saírem da atividade será grande, ainda que o Ministério Público do Trabalho tenha razão em defender melhores condições de trabalho aos colhedores.