Título: Inflação mais elevada traz efeito perverso para ações
Autor: Pavini, Angelo ; Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2010, Eu e investimentos, p. D1

de São Paulo

É um efeito em cascata: a inflação elevada faz com que o Banco Central precise aumentar os juros a fim de tentar conter a alta de preços. Isso não é bom para o mercado acionário, já que o custo de financiamento das empresas sobe, prejudicando seus planos de expansão. Além disso, com os títulos públicos pagando retornos mais atraentes, muitos investidores preferem deixar o dinheiro em ativos financeiros em vez de investir na produção. A inflação tem também o efeito perverso de reduzir o poder de compra do consumidor. Os efeitos dessa situação são negativos sobretudo para empresas do setor de consumo, principalmente para as de vestuários, como Lojas Renner, Riachuelo e Marisa. Como são companhias que não vendem produtos de primeira necessidade, seus artigos são deixados de lado pelo consumidor com a perda do poder de compra, avalia Diana Litewski, da gestora Oren Investimentos. "Aliado a isso, o aumento dos juros tem impacto no custo do financiamento das compras parceladas por essas empresas", diz a executiva. Mas há empresas, mesmo no segmento de consumo, cujos impactos são mínimos ou até mesmo nulos. É o caso das companhias que atuam no setor farmacêutico, como Drogasil ou Hypermarcas, que dificilmente terão suas vendas afetadas pelo aumento da inflação, pois vendem produtos de necessidade básica, lembra Diana. Já o setor de construção civil não é instantaneamente afetado pela elevação dos preços, diz a executiva. "O aumento na taxa de juros impacta o financiamento de imóveis apenas com um aumento significativo na taxa de juros", avalia Diana. "E dada a realidade do Brasil, não acreditamos que o aumento dos juros e a inflação corrente tragam impactos negativos para o desempenho do setor." Já as empresas com tarifas reajustadas pela inflação podem ser beneficiadas nesse cenário. É o caso das companhias elétricas. Os bancos, por meio de suas tesourarias, também conseguem montar operações no mercado de forma a se proteger ou até ganhar com a inflação. A provável alta dos juros não é boa para a bolsa, de forma geral, afirma Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. Uma parte das projeções da elevação da Selic já está nos negócios futuros do mercado, na chamada curva de juros. Mas, ao longo do processo de alta pelo BC, a atividade econômica deve perder um pouco o dinamismo e a bolsa tende a antecipar esse cenário. "Nosso cenário para a bolsa é diferente do consenso do mercado, de um Índice Bovespa na casa dos 82 mil, 85 mil pontos, estamos mais para o nível atual, de 70 mil pontos", diz Alessandra. A previsão da Tendências leva em conta o aperto monetário e a volatilidade provocada pela eleição presidencial, que deve provocar alguma saída de recursos estrangeiros do país. Há também o cenário externo, onde os problemas da Grécia podem se estender para outros países integrantes do chamado Piigs - Portugal, Irlanda, Itália e Espanha. Além disso, a bolha econômica da China e o crescimento da dívida dos países desenvolvidos podem causar o rebaixamento de classificação de risco de alguns países. "Isso tudo vai criar muita volatilidade e, com o cenário local, não fica bom para a bolsa", diz. Já Marcelo Mello, da SulAmérica Investimentos, diz que enxerga espaço para ganhos em bolsa apesar da alta dos juros. "Se a taxa for de 8,75%, como é hoje, ou de 10%, isso não vai diminuir o fluxo de investimentos estrangeiros para as ações brasileiras", acredita. O risco seria um aumento muito forte da aversão a risco mundial, causada por alguma crise mais acentuada na Europa, na China ou nos Estados Unidos, o que não está, porém, nas projeções da SulAmérica. "Podemos ter uma realização da bolsa no curto prazo, mas, no médio prazo, continuamos otimistas, vendo um Índice Bovespa na casa dos 82 mil pontos", diz o executivo. A alta do indicador seria puxada pelos setores ligados ao mercado interno e ao crescimento da economia. Mello considera, porém, que a bolsa americana pode subir mais que a brasileira, pois o mercado acionário de lá ainda não refletiu totalmente a melhora dos fundamentos da economia. Mas a alta dos juros mais longos está forte e isso é ruim para a bolsa, diz Paulo Pereira Miguel, economista da Quest Investimentos. "Por isso, estamos vendo recomendações de corretoras de venda para ações voltadas para o mercado local." O segundo trimestre do ano vai ser crucial para sabermos se os fatores que puxaram a inflação subir vão perder força, diz Miguel. Segundo ele, é preciso acompanhar o aquecimento do mercado de trabalho e a recuperação forte da atividade mundial, especialmente nos Estados Unidos. "Caso o aquecimento se confirme, haverá pressão para cima nas commodities e no dólar", diz o executivo. Já Gilberto Kfouri, diretor de investimentos da BNP Paribas Asset Management, acha que há risco em assumir posições em renda fixa neste momento. Para ele, a incerteza do mercado foi provocada por problemas de comunicação do BC, que fizeram as taxas disparar. "O mercado poderá se acalmar se o BC, apesar de cortar 0,5 ponto, explicar de forma clara que não espera uma alta mais forte da inflação", diz. Segundo ele, os gestores de fundos de investimento estão "com o dedo no gatilho", esperando uma definição mais clara da visão do BC para comprar papéis mais longos.