Título: Países traçam cenários para salvar Doha
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2010, Brasil, p. A8

de Genebra

O Brasil e outrosparceiros mostram crescente preocupação com atitudes protecionistas dosEstados Unidos e darão o sinal de alerta na avaliação sobre o estado daRodada Doha, que será feita na Organização Mundial do Comércio (OMC)esta semana. Brasília vê nova contradição na atitude americana na áreacomercial, de estabelecer um plano de dobrar suas exportações em cincoanos ao mesmo tempo em que se recusa a desbloquear a negociação globalpara liberalizar o comércio. "Não é razoável imaginar que em um passe de mágica se possa dobrar aexportação sem aumentar mecanismos artificiais distorcivos para seusprodutos, ou de esperar redução unilateral de barreiras dos outrospaíses", afirmou o embaixador brasileiro junto a OMC, Roberto Azevedo. O representante europeu de comércio, Karel de Gucht, em entrevista àimprensa belga, também considerou "desconcertante" inclusive ovocabulário usado pelo presidente americano Barack Obama na áreacomercial. "Ele fala sobre exportações e não sobre comércio", disse deGucht, estimando que a escolha não é por acaso. "Comércio é rota de mãodupla, significa aceitar que as importações também dobrem", avisou. Depois de passar por Washington, o ministro de Comércio da Índia, AnandSharma, disse ter opinião "similar" com a dos europeus, segundo agências de notícias. Outros negociadores notam que, enquanto os EUArepetem ser a economia mais aberta do mundo, na prática é também a quemais distorce o comércio com dezenas de bilhões de dólares de subsídiospara seus produtores, o que é uma das vias do protecionismo. Brasil e EUA terão bilateral em Genebra para discutir Doha. Outra reunião serámarcada fora de Genebra para discutir a compensação americana para oBrasil não retaliar produtos americanos no contencioso do algodão. A política comercial dos EUA estará de novo sob os ataques dos países naOMC, quando os 153 países membros vão tentar definir o que fazer com aRodada Doha, diante da recusa americana em negociar. O desafio é uma"sinuca de bico": como criar um processo de negociação que permita aretomada de Doha, sabendo-se de antemão que vai levar a lugar nenhum."O Brasil e outros 150 países estão interessados em desbloquear Doha omais rápido possível, mas é evidente a absoluta incapacidade americanade negociar um resultado capaz de ser vendido a seu Congresso", dizAzevedo. Ilustrando apostura de Obama na área comercial, seu mandato está na metade e atéhoje o presidente americano não conseguiu aprovar no Congresso o nomedo embaixador junto à OMC. O consenso em Genebra é de que não há condição alguma de se fazer algo nofuturo previsível para reativar Doha. Assim, vários cenários estarão namesa. Primeiro, seria congelar a negociação global, mas nenhum país vaise arriscar a propor isso formalmente e assumir o ônus político. Segundo, China, Índia e países pobres defendem um pacote de "colheitaantecipada" (do inglês early harvest) para o final do ano - ou seja,tentar garantir os primeiros resultados de Doha. O problema é definirquais temas. Um deles seria assegurar acesso livre para os produtos dosmais pobres nos mercados ricos e emergentes. Mas até nesta área os EUAse opõem, por causa de sua indústria têxtil. Outra proposta inclui um acordo de eliminação antecipada dos subsídios àexportação agrícola. Mas aí é a União Europeia que recusa. O cenário deos países listarem os temas mais urgentes, para os lideres decidirem,levantado por Celso Amorim, ministro do Brasil, em Davos, tem arejeição dos EUA. Washington não quer nem ouvir falar de discutir issono G-20, reunindo as maiores economias. Também a ideia de umcompromisso logo para facilitação de comércio (menos burocracia nasaduanas), tem pouco interesse para vários países. Restariam dois cenários: primeiro, manter a situação atual sem nada em Doha. Isso só beneficia a inação dos EUA, que não têm condições de negociar nada,mas tampouco assumem essa situação e joga a culpa no Brasil, China eÍndia. Segundo,desmontar o pacote já negociado ao longo de oito anos, como Washingtonexige. Isso confunde tudo, as barganhas voltam quase a estaca zero.Esse cenário também resultará em nada no médio prazo porque os EUAcontinuam incapazes de reduzir seus subsídios agrícolas, diante dolobby protecionista que tende a endurecer com a proximidade daseleições legislativas de novembro.