Título: Batalha jurídica em torno da usina de Belo Monte continua após o leilão
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 23/04/2010, Brasil, p. A2

O governo e integrantes do Ministério Público Federal voltaram, ontem, a fazer ataques mútuos por causa do leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

De um lado, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com representação contra dois integrantes do Ministério Público que atuaram contra o leilão. De outro, os procuradores do Pará anunciaram que ingressaram com novo recurso para impedir as obras da usina.

Os procuradores defendem que o leilão ainda pode ser anulado, caso a Corte Especial do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília mantenha a liminar concedida pela Justiça de Altamira para suspender a concorrência. A liminar foi cassada pelo presidente do TRF, desembargador Jirair Meguerian. Os integrantes do MP entraram com pedido de urgência para que a suspensão da liminar seja julgada pela Corte do TRF. Segundo o procurador regional Renato Brill de Góes, se a decisão da Corte Especial for favorável ao MP, "o leilão corre o risco de ser anulado". Eles esperam que esse julgamento aconteça no dia 29.

A atuação dos procuradores, que entraram com vários pedidos de liminar às vésperas do leilão, irritou o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams. Sem especificar nomes, ele afirmou, ontem, que um procurador e um promotor terão de responder junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) - órgão que faz o controle e pune abusos de integrantes do MP. Segundo Adams, os integrantes do MP teriam conclamado aos participantes de uma audiência pública sobre Belo Monte para que se retirassem da reunião. "A audiência pública é um ato do Estado brasileiro e a conduta deles deveria ser imparcial. Eles agiram como militantes", afirmou.

O advogado-geral disse que evitou entrar com a representação antes da data do leilão para não tumultuar o processo. Ele estuda entrar com pedido semelhante contra o juiz federal de Altamira, Antonio Carlos Almeida Campelo, que concedeu liminares barrando a venda. O objetivo seria fazer com que o juiz respondesse perante a Corregedoria da Justiça Federal. "Estamos estudando ingressar com representação contra o juiz, pois ele forçou a intimação (de liminar dada após o início do leilão) por todos os meios", justificou.

A AGU informou que, por enquanto, não vai entrar contra nenhuma Organização Não Governamental. O objetivo inicial do governo, segundo Adams, é o de evitar que agentes do Estado atuem como militantes ideológicos.

O fato de a AGU anunciar a possibilidade de ingressar com ações de responsabilização contra os autores de ações que levaram à suspensão temporária do leilão de Belo Monte repercutiu mal entre entidades de defesa do ambiente.

"Nós não entramos com nenhuma ação, mas ante uma ameaça de um agente do Estado contra cidadãos e organizações que querem fazer valer a lei pela via do Judiciário, estamos até pensando em entrar com uma", afirmou Raul Silva Telles do Vale, advogado do Instituto Sócio Ambiental (ISA). Para ele, a atitude da AGU "é antidemocrática e remonta à época do governo militar em que qualquer oposição a qualquer ação do governo teria de ser reprimida". "A construção da usina não está com ponto final", disse Vale. "O processo tem ilegalidades flagrantes, tanto que o juiz de Altamira deu liminar com mais de cinquenta páginas muito bem fundamentadas."

Segundo o ISA, a construção de Belo Monte resultará em mais impacto ao ambiente do que em benefícios de energia. Como exemplo, Vale cita as centenas de famílias de ribeirinhos e duas tribos indígenas que vão ficar sem água na Volta Grande do Rio Xingu. "Elas dependem do rio para sobreviver, mas não vão ser sequer indenizadas."

O ISA apontou ainda que o lago que vai se formar, após a construção da usina, não terá oxigênio suficiente para peixes e animais. Segundo Raul, há um estudo da Universidade de Brasília (UnB) mostrando que "o lago pode ficar sem vida", mas essa advertência não foi levada em consideração antes do leilão. (Colaborou Danilo Fariello)