Título: Acordos são plano B para Doha, diz australiano
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Fonte: Valor Econômico, 23/04/2010, Brasil, p. A4

Sem abandonar as negociações de liberalização comercial na Organização Mundial do Comércio (OMC), os países da Ásia e Pacífico já avançam em um "plano B", com acordos regionais que derrubam barreiras a mercadorias e serviços, afirmou o ministro do Comércio da Austrália, Simon Crean, que termina hoje, em reunião com empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) uma visita de três dias ao país. Crean defende um acordo de liberalização de serviços entre Mercosul, Austrália e Nova Zelândia e propõe associação entre Brasil e Austrália para exportação de tecnologias a terceiros países.

"Sempre há um plano B", comentou Crean, ao relatar os diversos acordos regionais em que a Austrália tem se engajado desde agosto de 2008, quando se paralisou a Rodada Doha, de liberalização comercial, na OMC. "Não o chamamos assim, mas (a assinatura de acordos regionais) pode se tornar alternativa efetiva, se Doha continua paralisada". Os acordos não conflitam com a rodada, podem complementá-la, defendeu.

Em 2008, a Austrália e a Nova Zelândia assinaram um abrangente acordo de livre comércio com os dez países da chamada Associação do Sudeste Asiático (Asean), um bloco com população de quase 600 milhões de habitantes e Produto Interno Bruto de US$ 1 trilhão. A Austrália já está em avançadas negociações com Coreia do Sul e Japão e negocia acordos de livre comércio também com China e Índia, lembra Crean.

Um passo seguinte é a extensão desse tipo de acordo a todos os países da Apec, o grupo conhecido como Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, que tem, entre os membros, três latino-americanos, Chile, Peru e México. Nova Zelândia, Chile, Cingapura e Brunei já firmaram um acordo, chamado "Parceria Econômica Transpacífica", ao qual Austrália anunciou intenção de aderir, com Estados Unidos, Peru e Vietnã. "É a região que cresce mais rapidamente no mundo, estamos abertos a membros adicionais, desde que na mesma base: acordos abrangentes, de alta qualidade."

"Uma das coisas que estamos muito dispostos a explorar é a possibilidade de um arranjo entre Mercosul e Austrália e Nova Zelândia", garante Crean. Ele argumenta que a crise financeira mundial obrigou os países a mudarem a visão tradicional, de que os países do Cone Sul e os da Oceania seriam competidores no mercado. "Há investimentos da Vale e da Petrobras na Austrália, investimentos australianos no Brasil, em energia eólica e hidroeletricidade", comenta. "Não estamos competindo, mas buscando complementaridades."

Hoje, na Fiesp, Crean estará acompanhado de empresários dos setores de energia australianos, em busca de negócios no Brasil. Embora não faça sentido falar em comércio de bens agrícolas entre Austrália e Brasil, os dois países podem fazer negócios exportando um ao outro serviços para o setor agrícola e mineral, sugere o ministro australiano. A Austrália tem tecnologia sofisticada na exploração de recursos naturais sem danos ao ambiente, tem algumas das minas mais seguras do mundo e foi obrigada a desenvolver tecnologia de ponta para preservar recursos hídricos, em regiões de produção agrícola, lembra o ministro.

"Também sabemos lidar com questões relacionadas à terra, uma área primordial para alguns países que têm recursos naturais mas enfrentam questões étnicas, comunitárias, tribais, o que seja", acrescenta. As discussões com o governo brasileiro ainda estão muito voltadas às questões multilaterais, da negociação na OMC, mas uma eventual redução das atividades dos negociadores em Genebra poderá abrir espaço para discussão regional, ou bilateral, prevê Crean.

"Há oportunidades aí para Austrália e Brasil trabalharem juntos na penetração de terceiros mercados", acredita ele. O caminho seria fornecer conhecimento e tecnologia, por entidades como a Embrapa ou o órgão de pesquisas agrícolas australiano, sugere. "Há oportunidades de trabalharmos bilateralmente com o Brasil, não só em recursos naturais mas também em terceiros mercados."

Apesar do entusiasmo com a aproximação bilateral entre Austrália e Brasil, Crean, amigo do ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, concorda com o brasileiro em insistir na tentativa de alcançar, ainda neste ano, um acordo na Rodada Doha. Há sérias dificuldades em conseguir apoio dos Estados Unidos para maiores concessões em agricultura, em um ano de eleições para o Congresso, mas as autoridades do governo Barack Obama têm mostrado compromisso em chegar a um acordo, acredita o ministro.

"Eles precisarão de maior liberalização, para alcançar a meta do presidente Obama, de dobrar as exportações dos EUA", argumenta Crean. Lembrado de que um dos problemas na OMC é exatamente a insistência americana de reabrir discussões já vencidas sobre redução de tarifas para produtos industriais, ele diz que os EUA sabem ser necessário dar maiores concessões primeiro, se quiserem avanços.