Título: Democratas surfam na popularidade da retórica contra Wall Street
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Fonte: Valor Econômico, 23/04/2010, Especial, p. A16

Até esta semana, o Partido Republicano esperava transformar as reformas reguladoras do sistema financeiro propostas pelo presidente Barack Obama em outra saga parecida com a da reforma do sistema de saúde americano. Ao derrotarem um esforço da Casa Branca para aprovar as medidas, os republicanos pretendiam prejudicar Obama.

Meio que tardiamente, os republicanos acordaram para o fato de que a reforma da saúde acabou se transformando em seu "Waterloo", nas palavras de David Frum, que foi redator de discursos do ex-presidente George W. Bush. Não foi mesmo o Waterloo de de Obama, que no mês passado conseguiu aprovar o projeto de lei da reforma da saúde na Câmara dos Representantes por três votos.

Talvez ainda mais importante seja o fato de que Mitch McConnell, líder republicano no Senado, sinalizou nos últimos dias reconhecer que as reformas em Wall Street - e a retórica mais forte que acompanha o esforço dos democratas para aprovar o projeto de lei - são populares junto à opinião pública de uma maneira que a reforma do sistema de saúde nunca foi.

"O senador McConnell percebeu que a impressão passada de que ele estaria ajudando Wall Street pegou muito mal entre o movimento do Tea Party, que é populista em relação a essa questão", disse Norm Ornstein, do conservador American Enterprise Institute. "McConnell também percebeu que iria ser muito difícil manter os republicanos unidos em oposição ao projeto de lei."

O ponto de virada ocorreu na quarta-feira, quando Chuck Grassley, o senador republicano por Iowa, que faz parte do Comitê de Agricultura, votou a favor de uma medida que reforçará a regulamentação dos derivativos - um passo que Obama descreveu ontem como "encorajador".

Da mesma maneira que a oposição agonizante de Grassley a qualquer ajuste no sistema de saúde condenou os esforços bipartidários no terceiro trimestre do ano passado, seu apoio a uma versão mais dura da regulamentação dos derivativos sinalizou o oposto. Portanto não surpreende que o pronunciamento feito ontem por Obama a Wall Street tenha soado mais como uma vitória do que um de seus costumeiros pedidos de última hora pela cooperação.

De fato, a maneira como o presidente vem conduzindo a reforma do sistema financeiro, que provavelmente será aprovada nas próximas 4 a 6 semanas, é quase o inverso da maneira como ele conduziu a reforma no sistema de saúde. Muitos defensores liberais de Obama apoiaram o conteúdo de política de lei da reforma da saúde, mas acreditam que ele conduziu mal as ações políticas, especialmente a narrativa política.

Eles estão dizendo o oposto sobre a reforma financeira. A Casa Branca afiou o discurso, falando por exemplo na "reforma em Wall Street", em vez da "reforma reguladora do sistema financeiro", e mirando o que segundo disse Obama ontem são "esforços furiosos de grupos lobistas do setor".

E, ainda assim, muitos acreditam que o conteúdo da proposta de lei está diluído demais para fazer uma grande diferença em relação à maneira como Wall Street vai operar. Eles apontam para o fato de que o projeto de lei "recompensa o fracasso regulador" ao conceder ao Federal Reserve (Fed), o banco central americano, mais poderes, mesmo quando se acredita amplamente que ele fracassou na fiscalização das regras existentes durante a crise subprime.

Essas pessoas também destacam a ausência de medidas para limitar o tamanho das maiores instituições financeiras consideradas "grandes demais para quebrar". E elas afirmam que os negócios com derivativos "únicos", que quase certamente são o tipo de instrumento financeiro mais complexo e perigoso, vão escapar da exigência de serem transferidos para câmaras de compensação.

"O que temos aqui é uma grande oportunidade perdida de reorganizar o domínio do setor financeiro e de Washington sobre a economia dos EUA", diz Dean Baker, diretor da consultoria liberal Centre for Economic and Policy Research. "Não há nada nessa lei que sugira que Wall Street não continuará aprisionando as agências reguladoras no futuro."

É difícil saber se Obama vai se arrepender dessa suposta oportunidade perdida, da maneira como Bill Clinton, ao falar para a TV NBC News no sábado, lamentou não ter decidido regulamentar os derivativos na década de 1990. Mas as políticas de curto prazo ou outra grande vitória legislativa deverão melhorar as perspectivas pálidas de seu partido para as eleições para o Congresso em novembro.

Outro sucesso deverá encorajar a Casa Branca a se esforçar por mais reformas, incluindo uma lei sobre as energias limpas, outra lei sobre o emprego e possivelmente até mesmo um esforço para reviver a reforma da imigração.

A reforma do sistema de saúde não teve um efeito perceptível sobre o baixo grau de aprovação do governo Obama, que continua abaixo dos 50% segundo o Gallup. Democratas estão prevendo que uma vitória sobre Wall Street, mesmo que ela for mais aparente que real, dará ao presidente uma maior tração política. "A lei parece mais um placebo que uma reforma radical de Wall Street, mas Obama está do lado certo do sentimento do povo desta vez", diz Michael Lind, da New America Foundation.