Título: Brasil pode se tornar base de matéria-prima
Autor: Ribeiro , Ivo
Fonte: Valor Econômico, 23/04/2010, Empresas, p. B11

A forte retomada do consumo de alumínio este ano no mercado doméstico, com alta prevista de 21%, e as perspectivas de isso se manter nos próximos anos acendem um sinal de alerta no setor. "Se seguirmos nesse ritmo, o Brasil terá de importar alumínio para suprir as fabricantes de produtos transformados já em 2012", diz Adjarma Azevedo, um dos maiores conhecedores dessa indústria no país, com 40 anos de atuação, ex-presidente da americana Alcoa na América Latina e atualmente presidente da Associação Brasileira do Alumínio (Abal). Essa é uma previsão pessoal, pois a Abal se mostra ainda menos pessimista. A entidade prevê o cruzamento da oferta e demanda em 2014. No entanto, ambos cenários são preocupantes.

O consumo de produtos de alumínio, como chapas e folhas para embalagens, fios e cabos, perfis usados em edificações e peças fundidas para motores de automóveis, cresce a taxas anuais de dois dígitos. Só se retraiu no ano da crise, mas voltou com toda a força em 2010. A previsão da Abal é que a demanda feche em 1,22 milhão de toneladas no fim do ano. Desde 2005, a demanda interna subiu 50%, já incluída a retração de 10,6% do ano passado.

À medida que o consumo local cresce, reduz-se o volume de metal para exportação - neste ano devem sobrar apenas 600 mil toneladas para venda ao mercado externo e a tendência é cair a cada ano. Em 2006, o setor vendeu no exterior quase 850 mil toneladas de metal primário, mas desde então, com pouco crescimento da oferta doméstica e aquecimento da economia do país, verifica-se recuo nos embarques.

Um retrato do aquecimento está expresso na explosão de demanda de latinhas de alumínio para bebidas. Para atender o mercado, os fabricantes anunciaram novas fábricas e expansões que somarão 3 bilhões de unidades até meados de 2011. Até lá, terão de importar latas para suprir as necessidades de seus clientes.

"Vejo um mercado positivo para o alumínio no Brasil no longuíssimo prazo", diz Azevedo, enumerando uma série de eventos pela frente. A Copa do Mundo, a Olimpíada de 2016, a demanda do pré-sal, além de expansão nos no setor industrial e em infraestrutura. Uma grande aposta está na indústria automotiva, que cada vez mais passa a usar o metal nos motores de automóveis. "Só nesse caso, estimamos consumo de mais 50 mil toneladas ao ano".

Uma consequência que parece inexorável desse cenário, vaticina o executivo, é que o setor, no Brasil, repetirá o que ocorreu na Austrália: vai se transformar numa grande produtora e exportadora de matérias-primas para fabricação do metal - bauxita e alumina. Isso porque a produção do metal primário estagnou-se no país. "Já vemos isso acontecer neste ano e é uma notícia nada boa para a indústria", afirma ele.

Dados da Abal mostram que as exportações de alumina, em valor, vão superar, pela primeira vez, as de metal primário neste ano. "Com isso, as divisas do país vão recuar gradativamente, pois vamos embarcar produto de menor valor agregado e, além disso, caminhamos para ser importadores do metal em poucos anos, agravando ainda mais esse quadro", afirma Azevedo. As exportações de alumina deverão render US$ 2,43 bilhões, bem à frente de US$ 1,78 bilhão esperado para o metal primário, vendido em forma de lingotes.

Para se ter uma ideia, uma tonelada de alumina vale de 13% a 15% do valor do metal, atualmente cotado na Bolsa de Londres, a LME, em torno US$ 2,4 mil. São necessárias de duas a duas toneladas e meia de bauxita para fazer uma de alumina e duas deste produto para se obter uma do metal.

"O Brasil deixou de ser atrativo para investimentos em novas fundições de alumínio, em grande parte devido ao elevado custo da energia elétrica, salgada pelos encargos tributários", aponta o dirigente da Abal. Para se fundir o metal na forma de lingotes, tarugos ou placas, a energia pesa em cerca de 35% no custo de produção de uma tonelada.

Tornou-se mais rentável investir em projetos novos ou ampliações na produção de alumina, bem como de bauxita. É o que têm feito a Vale e a Alcoa no norte do Pará e no Maranhão, em megaempreendimentos. Grande parte da produção é voltada para exportação.

Nos próximos anos, o Brasil prevê elevar, conforme a Abal, a produção de bauxita em 45%, para 41 milhões de toneladas. Em alumina, o salto é de 66%, passando para 13 milhões de toneladas. Na capacidade atual das fundições instaladas, o país só vai utilizar um quarto desse volume. A grande parte irá para exportação. "Tudo indica que o Brasil vai ser a nova Austrália na alumina e isso significa que vamos regredir na cadeia produtiva da indústria".

Azevedo destaca: "Há 25 anos não temos uma nova fundição de alumínio no país; apenas expansões nas fabricas existentes desde então". O último projeto, da Albrás, é de 1985. Por isso, a capacidade da indústria estagnou-se em torno de 1,6 milhão de toneladas anuais e não aponta, no curto e médio prazos, sinais de que vai crescer além disso. A única expectativa é uma nova expansão da CBA, do grupo Votorantim, que adicionaria de 100 mil a 125 mil toneladas ao seu tamanho atual.

O executivo sustenta a tese de que faltará metal em dois anos com o seguinte exemplo: grande parte da produção da Albrás, no Pará - de 450 mil toneladas/ano - tem contratos firmes de longo prazo de exportação para os próprios sócios japoneses na empresa.

Além disso, no ano passado, por conta da crise e do elevado custo da energia, a Vale fechou as portas da Valesul, em Santa Cruz (RJ). Essa unidade fazia 95 mil toneladas de metal primário por ano e supria clientes transformadores do Sudeste. Não há nenhuma previsão à vista de que a fundição será retomada. Erguida no início dos anos 80, a Valesul era tida como a fabrica de maior custo para se fazer alumínio no país, pois usava energia muito cara.

"Novos projetos, só com autogeração de energia ou com tarifa abaixo de US$ 30 o MWhora (R$ 56,00)", garantem executivos do setor, como Franklin Feder, presidente da Alcoa na América Latina. Acima disso, observa, fica inviável e a alternativa é produzir em outras regiões, como o Oriente Médio, onde a energia à base de gás é oferecida na faixa de US$ 20 o MWhora. O caso da hidrelétrica de Belo Monte, que a companhia americana chegou a analisar, ilustra bem: foi leiloada na terça-feira, com tarifa vencedora vista como baixa - R$ 78,00 (US$ 44).

João Bosco Silva, presidente da Votorantim Metais, holding sob a qual está a gestão da CBA, maior fabricante do metal no país, é taxativo: "Aos preços atuais da energia no Brasil, projetos eletrointensivos, como os de alumínio e níquel, perderam a competitividade. Aqui se paga uma das tarifas mais altas do mundo por causa de impostos e custos de transmissão". No ano passado, a VM firmou acordo de investimento em uma fundição em Trinidad e Tobago. O custo da energia, oriunda de gás, será bem competitivo, diz o executivo, sem revelar o valor acertado com o fornecedor local.

Carlos Ermírio de Moraes, em recente entrevista ao Valor, concordou que o Brasil pode mesmo se tornar importador de alumínio se não viabilizar energia competitiva. "O binômio custo de energia e câmbio é decisivo para a indústria eletrointensiva no país", diz.

Vastas reservas de bauxita e abundância de energia já foram fatores de competitividade do Brasil para a indústria do alumínio. Hoje, só resta o mercado em expansão, mas isso parece insuficiente.

Com investimentos em autogeração, em 2014, o setor terá 50% da energia consumida. A avaliação é apenas troca energia cara por energia de custos mais competitivo, que apenas garante a operação das fábricas atuais. Na crise, quando o preço do alumínio desabou para US$ 1,3 mil a toneladas, quem tinha menos geração própria teve de paralisar linhas de fornos.

Para Azevedo, o próximo governo, seja quem vencer as eleições, terá de priorizar o fortalecimento das indústrias de base no país. " O Brasil não pode prescindir de uma indústria estratégica como a do alumínio", ressalta o dirigente.