Título: Argentina luta contra decadência de sua produção de petróleo e gás
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2010, Internacional, p. A14
de Buenos Aires Enquanto o Brasil faz planos ousados para a exploração do pré-sal, a Argentina enfrenta a derrocada de sua indústria petrolífera e luta para manter a histórica autossuficiência que detém no uso de combustíveis fósseis. O declínio é explicado não só pela política de tabelamento de preços para a produção, segundo especialistas, mas também pelo esgotamento das jazidas. A produção de petróleo cai há oito anos seguidos. No caso do gás natural, as reservas comprovadas caíram quase 50% em uma década e durariam somente mais oito anos, se mantido o ritmo de exploração atual. Do lado da oferta, as últimas grandes descobertas foram a de petróleo em El Trapial (1991) e a de gás natural em Loma de la Lata (1978), ambas na Província de Neuquén, a oeste do país. De 75 poços exploratórios em 1998, que constituem a atividade mais arriscada da indústria do petróleo, o número de novas perfurações diminuiu para 54 em 2008 (última estatística disponível). Do lado da demanda, a pressão é cada vez maior. O aquecimento do mercado automotivo acrescenta mais de 500 mil novos veículos por ano à frota do país, elevando o consumo de combustíveis fósseis, e o crescimento da economia após a quebra de 2001-2002 sobrecarrega a matriz energética. Na Argentina, 90% da matriz é baseada no petróleo e no gás, enquanto essa proporção é de 47% no Brasil, onde sobra mais espaço para energias renováveis, como a hidroeletricidade e derivados da cana (etanol e biomassa). Somando as duas restrições - oferta e demanda -, o perfil exportador está mudando. De principal fornecedora de óleo bruto para o Brasil, em 2000, a Argentina nem figura mais na lista dos dez maiores, embora ainda venda grande quantidade de nafta. As exportações argentinas de gás natural para o Chile, que chegaram a 15 milhões de metros cúbicos por dia, foram interrompidas na crise energética de 2007 e hoje situam-se em torno de 3 milhões de m³/dia. Sem os dutos necessários para importar mais da Bolívia, como desejava, a Argentina aumentou as importações de gás natural liquefeito (GNL) de outras partes do mundo. Para reforçar a oferta de maio a agosto, quando o consumo residencial cresce muito por causa do inverno, foram contratados 16 navios-tanque no primeiro trimestre - haviam sido 20 no ano todo de 2009. O economista Daniel Montamat, que foi secretário de Energia no governo Fernando de la Rúa (1999-2000), cita o esgotamento das reservas como principal fator para essa inversão de papéis. Mas ressalta que novas investidas na área de exploração só não são feitas por causa dos controles de preços e do cenário de insegurança jurídica. "A Argentina não é mais autossuficiente em gás e em eletricidade, que importamos do Brasil. Ainda exportamos petróleo pesado, mas já começando a importar derivados", afirmou Montamat ao Valor, mencionando o desembarque do exterior de 50 milhões de litros de gasolina, na semana passada, pela YPF - a primeira compra significativa do produto em 30 anos. "Nesse ritmo, logo vamos estar importando óleo bruto também", avalia. O pilar tributário da indústria petrolífera na Argentina é a política de retenções, que fixa em US$ 42 o valor apropriado pelas empresas ao extrair um barril de óleo cru. Todo o adicional, estejam os preços internacionais em em US$ 80 ou US$ 150, fica para o governo. Embora o custo de produção seja relativamente baixo, já que quase todo o petróleo extraído está no continente, isso desestimula novas atividades de exploração. Os recursos levantados pelo governo ajudam a sustentar os preços subsidiados dos combustíveis na Argentina: a gasolina aditivada custa pouco menos de quatro pesos (menos de R$ 2 pela cotação atual) e a conta mensal de gás, para uma família de classe média com quatro pessoas, dificilmente passa de 20 pesos. Montamat também enfatiza o reflexo negativo da confusão regulatória. Em 2006, uma nova Lei de Hidrocarbonetos - chamada de "lei curta" pelo caráter enxuto do texto - deu às províncias a titularidade das reservas. A partir de então, são elas que definem os royalties nos contratos de concessão novos ou renovados. Neuquén, por exemplo, subiu os royalties de 12% para 15%. "As condições estão longe de serem atrativas", afirma o ex-secretário de Energia. O consultor Mateo Turic, presidente da Crown Point Oil&Gas e ex-diretor de exploração da YPF, sublinha a questão geológica. A bacia de Neuquén atravessa um período de rápido declínio das reservas. O Golfo San Jorge, nas zonas patagônicas de Santa Cruz e Chubut, tem aumentando a produção, mas não o suficiente para compensar as perdas de Neuquén. Com um detalhe importante. "Ela não se baseia em novas descobertas, mas no aumento de poços em áreas já exploradas", explica Turic. A exploração nova, segundo o consultor, não justifica o alto investimento por ter pouco retorno no longo prazo. "São bacias muito maduras. Como a Argentina pode mudar esse panorama? A resposta é simples: com exploração offshore", completa.