Título: Ele muda sua utilização na economia, mas é sempre requisitado pelo mercado
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2010, Especial, p. A14

Coordenador da área macroeconômica do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) desde 2002, o economista Salomão Quadros avalia que a função do Índice Geral de Preços (IGP) mudou ao longo dos seus 66 anos de existência, mas "ele sempre foi requisitado pelo mercado". O índice já foi utilizado como deflator do Produto Interno Bruto (PIB) entre os anos 1960 e o início da década de 1980, além de indexador de contratos públicos e privados, como aluguéis. Nos últimos anos, porém, o índice descolou-se do IPCA, utilizado pelo Tesouro como deflator do PIB e pelo Banco Central no regime de metas de inflação. Enquanto o IPCA oscilou próximo a 4,5%, o IGP-M chegou a bater em 9,2%, em 2008, antes de recuar a -1,72%, no ano passado. Hoje, o mercado já trabalha com taxas de 8% para 2010. Essa oscilação causa desconforto entre os economistas. Quadros, em entrevista ao Valor, defende o índice.

Valor: A grande crítica que se faz ao IGP é que ele une atacado, varejo e construção civil num único índice, dando pesos diferentes a cada um. Por que isso ocorre?

Salomão Quadros: Estamos falando de um índice tradicional, usado desde 1944, que foi deflator do PIB entre as décadas de 1960 e 1980. Se pegarmos uma série longa dos componentes do PIB, veremos pesos semelhantes ao que usamos, quer dizer, 60% para o atacado, 30% para consumo e 10% para construção civil. São valores que oscilam próximos a esse peso. Não temos planos de revisar isso.

Valor: No ano passado, o IGP-M fechou pela primeira vez desde sua criação em 1989 em deflação. No entanto, não há notícias de contratos que usam o índice terem sido reajustados para baixo. O que acha disso?

Quadros : Em mais de 80% dos casos, os aluguéis são reajustados pelo IGP-M. Momentaneamente, em casos de IGP-M muito alto no acumulado em 12 meses, o proprietário pode aceitar um reajuste menor. Depois, numa época de queda muito forte, o inquilino pode devolver, acordando em reajustes maiores. Não há estatística que comprove a incidência, mas é possível verificar no mercado que o IGP-M é muito usado.

Valor: Tarifas públicas, como de transporte coletivo, telecomunicações e energia elétrica, estão usando uma cesta de índices, não mais concentrando seu reajuste no IGP-M. O governo também não emite mais títulos corrigidos pelo índice. Ele está perdendo força?

Quadros : As pessoas sempre acham que os IGPs estão perdendo força. Quando ele deixou de ser o índice deflator do PIB, no começo dos anos 1980 [quando foi criado o IPCA], os economistas falavam que ele estava em baixa. Poucos anos depois, com as crises do setor público e a hiperinflação, a criação do IGP-M foi importante para correção de contratos e defesa contra a perda de poder da moeda. Com a estabilização, em 1994 e 1995, voltou-se a falar em perda de força, mas então ele passou a ser usado como hedge cambial, até a adoção do câmbio flexível, em 1999. Desde então, continua a corrigir contratos públicos e privados. Ele muda sua utilização na economia, mas, com a mesma fórmula, é sempre requisitado pelo mercado.

Valor: Mas se o índice ainda é muito utilizado, por que então mudar a fórmula do IPA, que corresponde por 60% do IGP-M, que deixa de ser uma pesquisa no atacado para um índice sobre o produtor?

Quadros: Porque esse é o modelo mais comum no resto do mundo. É hora de partir para algo como um índice de preços ao produtor, porque esse é o caminho. Contratamos um consultor americano, que cuidava do IPP dos EUA, para nos ajudar a implementar a mudança. O nome IPA continua o mesmo, mas a mudança já está valendo para as duas prévias de abril do IGP-M.

Valor: Trata-se de um índice caro de se produzir?

Quadros: Estamos falando de uma equipe de mais de 300 pessoas, em sete capitais (SP, RJ, BH, Porto Alegre, Salvador, Recife, Distrito Federal). Até 2005, eram 12 capitais, mas resolvemos enxugar para diminuir custos, algo que, no entanto, não acarretou em perda de eficiência dos índices, que continuaram muito significativos.

Valor: Há descolamento entre os IGPs e os índices públicos, como IPCA e INPC?

Quadros: Se pegarmos o IPC, que corresponde por 30% do IGP e que pode ser facilmente comparado ao IPCA, veremos que eles estão, curiosamente, inclusive, iguais. Nos 12 meses terminados em março, tanto o IPCA quanto o IPC da FGV acumularam 5,17%. Isso pode mudar, mas serve para mostrar que não há grande descolamento. (JV)