Título: Estamos falando de uma jabuticaba que mistura tudo, diz economista
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2010, Especial, p. A14

Quando começou, o ano de 2010 foi logo caracterizado pelos economistas de bancos e consultorias como oriundo de um passado inflacionário benigno. A redução de preços verificada nos índices em 2009, graças aos efeitos recessivos da crise mundial, serviria para "amenizar" reajustes elevados em contratos públicos, aluguéis e salários. O Índice Geral de Preços-M (IGP-M), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) desde 1989, atingiu, no ano passado, sua primeira deflação - fechou a -1,72%.

No início do ano, no entanto, os reajustes sazonais de transporte público e material escolar, somados a pressão nos preços de alimentos, fizeram o IGP-M saltar. Apenas no primeiro trimestre do ano, o índice acumulou alta de 2,78%. O salto, três meses após a deflação histórica, ligou o sinal de alarme dos economistas e reanimou o debate quanto a controle de inflação.

"O IGP ainda tem muito efeito nos noticiários porque deixa todos assustados com seus pulos rápidos. A política de metas é feita com o IPCA, mas na hora do susto logo começam a calcular qual pode ser o repasse do atacado ao varejo", afirma Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. O problema, diz, é que o IGP não transmite apenas as variações no atacado.

"Estamos falando de uma jabuticaba", diz Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores. "É um índice que pega atacado, mistura com varejo e, de lambuja, ainda junta com alta nos preços de material de construção e de salários dos trabalhadores da construção civil", afirma.

Calculado desde 1944, o IGP cresceu e formou família. Além do IGP-DI, são divulgadas duas prévias do IGP-M, além do IGP-OG e do IGP-10. A FGV ainda desmembra o INCC, que responde por 10% dos IGPs, e o IPC, divulgado semanalmente. Esses produtos são vendidos aos bancos e consultorias, que passam a ter acesso a pesquisa completa realizada pela instituição. Segundo fontes do mercado, os pacotes custam entre R$ 20 mil e R$ 60 mil ao ano, podendo alcançar cifras próximas a R$ 100 mil.

Para o economista Ricardo Braule Pinto, ex-chefe do Departamento de Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o momento de alterar a ponderação do IGP "já passou". O economista carioca, já aposentado, conversou com o Valor sobre "o índice que é como a "Voz do Brasil": ninguém gosta, mas está há décadas no ar", em referência ao programa radiofônico público que vai ao ar diariamente. O programa teve sua primeira transmissão em julho de 1935, durante o governo de Getúlio Vargas. Para o economista, "todo mundo reclama do IGP, mas poucos fazem alguma coisa para mudá-lo, então ele continua com as mesmas distorções de sempre".

As mudanças anunciadas pela FGV, que transformou o Índice de Preços no Atacado (IPA), que responde por 60% do IGP, em índice de preços ao produtor "atenuam", avalia Pinto, os "erros do IGP", mas, segundo ele, "ainda é preciso entender que não faz nenhum sentido um índice que junta fabricantes de carros e de autopeças, de modo que as montadoras produzem e sofrem inflação ao mesmo tempo".

O IBGE prepara o lançamento de um índice semelhante ao PPI americano, que computa os preços ao produtor. São 1,6 mil empresas cadastradas em 12 capitais - as mesmas representadas no IPCA -, que responderão à pesquisa de preços do governo.

Segundo Alexandre Brandão, coordenador do futuro Índice de Preços ao Produtor (IPP), cerca de 1,1 mil empresas já estão regularizadas e respondendo a pesquisa. "É um trabalho lento, de levantamento de companhias e formulação de produtos. Esperamos ter tudo funcionando até o fim do ano", afirma Brandão. Para ele, o país "prescinde" de um índice com este perfil. "Nos EUA são apenas dois índices: o PPI, ao produtor, e o CPI, do varejo. Aqui, temos uma série de indicadores de varejo e atacado, e nenhum de preços ao produtor", afirma.

Da mesma forma, a FGV, que implantou a alteração do IPA neste mês, se baseou na experiência americana com o PPI. De acordo com Salomão Quadros, chefe da área dos IGPs, a FGV teve como consultor Irwyn Getuk, que tocava a apuração do PPI americano até se aposentar, em 2005. No IBGE, são cerca de 20 pessoas trabalhando no índice. Na FGV, mais de 300 na equipe de índices. Desde 2005, quando passou por mudanças para "enxugar custos", a FGV diminuiu o número de capitais pesquisadas para a elaboração dos índices: de 12 para sete. (JV)