Título: IGP perde importância na salada de índices
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2010, Especial, p. A14

Não é missão fácil acompanhar a inflação no Brasil. Não porque os preços ora sobem muito e, pouco depois, perdem ímpeto. Mas porque há uma miríade de índices, que se intercalam durante a semana, apontando tendências em diferentes segmentos da economia. Instituições públicas, privadas e sindicais calculam, cada uma, seu índice. Algumas produzem mais de um. A sopa de IGP-10, IGP-M, IGP-DI, IGP-OG, INPC, IPCA, IPC-Fipe, IPC-S, IPC-c1, IPC-3i, INCC, ICV, ICV-M e outros menos votados constitui um dos cenários mais diversificados de índices inflacionários do mundo.

Criados, em boa parte, para fazer frente à escalada inflacionária dos anos 80, aos poucos vão perdendo espaço nas contas públicas e contratos privados, mas continuam assustando os economistas com suas rápidas oscilações.

Caso simbólico, o Índice Geral de Preços (IGP), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), chegou a ser um dos indicadores de inflação mais importantes da economia brasileira, que corrigia desde títulos públicos até preços de produtos no supermercado, passando por contratos de aluguel e condomínio.

Entre o fim dos anos 80 e os primeiros anos da década de 90, o IGP era utilizado - e defendido - pelos agentes que desconfiavam dos índices calculados pelo Estado. O índice da FGV, na época, simbolizava inclusive a "eficiência" da iniciativa privada, em contraposição ao Estado em crise moral e econômica agravada pelas seguidas trocas de moeda e moratórias da dívida externa.

O tempo passou e o fim da hiperinflação foi, aos poucos, diminuindo a utilização do IGP na economia. O governo não emite mais títulos corrigidos pelos IGPs desde dezembro de 2006 e, neste ano, são os contratos entre indivíduos e empresas que expõem o esquecimento do índice: depois de acumular leve alta de 1,9% nos 12 meses terminados em março, o IGP-M foi amplamente ignorado nos novos contratos de aluguel firmados em São Paulo. Segundo levantamento do Secovi-SP (sindicato da habitação), o aluguel de novos contratos residenciais subiu 10% em março.

Para Gian Barbosa, analista de inflação da Tendências Consultoria Integrada, o IGP recebe mais atenção nas "semanas fracas" - quando há poucos indicadores sendo divulgados. O cenário mais comum, no entanto, é dos diferentes índices de preços brasileiros se acumulando. Toda semana um índice é divulgado e, a cada duas semanas por mês, cerca de cinco índices são anunciados.

Um analista de mercado, doutor em economia em São Paulo, avalia que a salada de índices é "um terror". "Numa semana sai o IPC-S, seguido da primeira prévia do IGP-M. Pouco depois, temos o IGP-10 e novo IPC-S, que são seguidos da segunda prévia do IGP-M, que sai junto do IPCA-15. Ao final temos o IGP-M fechado e mais IPC-S, além do ICV do Dieese. Depois que o mês termina, ainda saem o IGP-DI e o IPCA do mês anterior", diz o economista, que acompanha indicadores há 20 anos. Para ele, o IGP "acaba por constituir-se no mais discutível". O economista avalia que o índice vem perdendo espaço "onde ainda guardava relevância": nas tarifas públicas e nos contratos de aluguel e condomínio.

Apurado desde 1944 pela FGV, o IGP-DI (Disponibilidade Interna) configura a alta de preços no atacado, no varejo e na construção civil, com diferentes pesos, ao longo do intervalo de 30 dias de um mês. Para fazer frente à explosão da inflação nos anos 80, a FGV desmembrou o IGP em uma série de intervalos, como forma de facilitar a mensuração e consequentemente correção de contratos, para não deixar resíduos inflacionários que acarretassem perdas aos credores. Assim, surgiram o IGP-10 - apurado entre o dia 11 de um mês e o dia 10 do mês seguinte - e o IGP-M, que calcula a alta entre o dia 21 de um mês e o dia 20 do mês seguinte. O IGP-M, além disso, também pode ser "antecipado": a FGV divulga duas prévias (1P e 2P) entre os dias 10 e 20 do mês.

Mais famoso entre os índices não-públicos, o IGP é criticado pelo peso desigual que dá aos fatores. "Não faz sentido misturar atacado, varejo e construção civil e, ainda por cima, dar pesos distintos entre eles", afirma Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. No índice, a FGV leva em conta o Índice de Preços no Atacado (IPA), que representa 60% do IGP, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que pesa 30%, e o Índice Nacional da Construção Civil (INCC), com os 10% restantes. Por vezes, uma alta forte no custo da mão de obra na construção civil pode causar impacto sobre o IGP, ainda que os preços de matérias-primas e bens industrializados estejam comportados. "O correto seria um índice que levasse em conta apenas as oscilações no atacado", avalia Borges, para quem "isolar" o IPA como um índice por si só seria "o mais justo".

Para captar as variações de preços no varejo, que atingem os consumidores brasileiros, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tornou-se o "índice oficial" de inflação. É o IPCA que baliza a política de metas de inflação do governo, alvo da política monetária do Banco Central e da política fiscal dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Mas mesmo o IPCA não está sozinho. Criado exatamente 40 anos antes, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) apura alta no varejo paulistano e ainda hoje é usado por analistas de bancos e consultorias para antecipar movimentos mais amplos, que depois serão registrados no IPCA.

Entre janeiro de 1939 e 1968, o IPC-Fipe era calculado pela Divisão de Estatística e Documentação da Prefeitura do Município de São Paulo. Passou à Universidade de São Paulo (USP) e, a partir de 1973, à Fipe. O índice é divulgado toda segunda-feira, apresentando a variação de preços na semana anterior.

A alta de preços na cidade de São Paulo conta ainda com o Índice do Custo de Vida (ICV), calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômico (Dieese). Tanto o ICV quanto o IPC-Fipe, ainda que restritos ao município de São Paulo, servem de termômetro para o IPCA. No mês passado, o IPC-Fipe acumulou alta de 0,34%, enquanto o ICV atingiu 0,47%. O IPCA, divulgado pouco depois, bateu em 0,52%.

No entanto, nem o IPC da Fipe, o ICV do Dieese ou o IPC da FGV causam o impacto que a "família" dos IGPs causa entre os analistas de mercado, o governo e o noticiário. Ainda sobrevive no mercado a ideia de que elevações no IGP serão revertidas em altas no IPCA e, consequentemente, sensibilizar a política de metas inflacionárias. Entre os economistas, essa percepção ganhou teoria própria: o IPCA estaria "grávido" do IGP.

A análise dos resultados de ambos, nos últimos anos, evidencia certo descompasso entre os índices. Em 1999 e 2002, anos de crise interna - maxidesvalorização do real e turbulências político-eleitorais, respectivamente - o IPCA teve variações elevadas: 8,9% e 12,5%, nessa ordem. O IGP-DI, no entanto, atingiu valores muito superiores. Em 1999, bateu em 20%, e em 2002 alcançou 26,4%. Da mesma forma, no ano passado, a crise mundial provocou deflação de preços global, diante da queda no consumo. O IPCA recuou dos 5,9% registrados em 2008 para 4,3%, em 2009. O mergulho do IGP foi ainda mais violento, ao passar dos 9,1% apurados em 2008 para -1,73% no ano passado.

A percepção, entre os economistas, é que a estabilidade de preços ocorreu de maneira perceptível no IPCA, que chegou a alcançar 2.477,1% em 1993 e hoje oscila entre 4% e 5% ao ano. Com o IGP, por outro lado, a estabilidade pós-1994 é muito menos "suave", como as variações recentes demonstram - o IGP-M, segundo preveem as cerca de cem instituições financeiras ouvidas pelo Banco Central no boletim Focus, deve saltar da deflação de 2009 para valores superiores a 8% neste ano.

Para Borges, da LCA, o Brasil é o único país do mundo que usa índice de inflação híbrido, com média ponderada de varejo, atacado e construção civil. "Trata-se de uma jabuticaba esotérica. No resto do mundo calcula-se um índice para varejo, outro para atacado e outro ainda para o produtor. Aqui, no IGP, varejo e atacado são misturados, com pesos diferentes. E ainda tem construção civil no meio. Não tem lógica nenhuma."