Título: Indicadores argentinos são sucesso de mercado negro
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2010, Internacional, p. A10
A cada vez que cita indicadores da Argentina no Panorama Econômico Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) remete a notas de rodapé que lembram a falta de credibilidade dos dados oficiais. A ausência e a manipulação de números sobre a economia argentina já são conhecidas dos analistas, mas os últimos dias revelaram a existência de um fértil mercado negro de estatísticas no país - no qual consultorias de prestígio se veem forçadas a pagar para conseguir informações minimamente confiáveis para entregar aos clientes em suas análises.
A polícia argentina cumpriu ontem mandados de busca e apreensão em cinco consultorias suspeitas de abastecer-se de informações vendidas por Roberto Larosa, economista e assessor do deputado esquerdista Claudio Lozano, de oposição à presidente Cristina Kirchner. Preso na semana passada, nas dependências do Ministério da Economia, Larosa protagonizou uma cena insólita. Ele foi flagrado, após o fim do expediente, na sala vazia do subsecretário de orçamento do ministério. Os seguranças o descobriram com a ajuda das câmeras internas e o encontraram numa pose de detetive desastrado: debaixo da mesa do subsecretário, com as luzes apagadas, munido de uma pasta, lanternas e uma lupa.
Numa atrapalhada justificativa, Lozano argumentou que seu assessor portava a lupa porque "trabalha com planilhas que têm números pequenos e não enxerga bem". Mas a piada acabou aí. O governo pediu a abertura de uma investigação judicial. Alegando a presença de recibos na casa do assessor parlamentar, um juiz de primeira instância determinou a realização de buscas na Ecolatina, a Orlando Ferreres & Associados, o Estudio Broda, a M&S Consultores e a Fiel. Em comum, todas são dirigidas por adversários ou críticos do governo Kirchner e elaboram índices independentes que contestam frontalmente números do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).
Larosa é acusado de vender informações sigilosas a respeito da reestruturação da dívida argentina que ainda está em moratória. Na base do favor ou de gratificações financeiras, no entanto, dezenas de outros assessores e funcionários fornecem diariamente estatísticas às consultorias, segundo o Valor apurou com diferentes fontes da "city portenha". O detalhe é que, na maioria das vezes, se tratam de dados triviais, como a arrecadação de tributos ou o gasto público.
A Província de Buenos Aires, a maior do país, não informa nada sobre a execução orçamentária desde novembro. Outras Províncias, na Patagônia, não têm dados disponíveis para o público em geral desde o primeiro trimestre de 2008. Não há um sistema eletrônico de acompanhamento de gastos do orçamento, como o Siafi brasileiro. As páginas de ministérios na internet raramente têm estatísticas sobre qualquer coisa a partir relevante a partir de 2009.
Dados corriqueiros no Brasil, como o detalhamento da balança comercial e a produção de energia, são divulgados com semanas - às vezes meses - de atraso. "Há três tipos de problemas", afirmava ontem o economista-chefe de uma prestigiada consultoria argentina, pedindo discrição. Existem dados totalmente manipulados pelo Indec (como o índice de preços e o de produção industrial); dados críveis, mas que saem com muita demora; e indicadores que deixaram de existir nos últimos três a cinco anos, como a produção agropecuária, o abate de bovinos e números sobre finanças públicas. "O governo pretende transformar o que é informação pública em segredo de Estado", declarou o deputado Lozano, negando ter conhecimento de como o assessor recolhia dados.