Título: O fim do Terceiro Mundo?
Autor: Zoellick , Robert
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2010, Opinião, p. A13

Se 1989 testemunhou o fim do "Segundo Mundo", com a derrocada do comunismo, 2009 viu o término do chamado "Terceiro Mundo". Estamos agora em uma nova economia global multipolar, que evolui rapidamente e na qual norte, sul, leste e oeste são apenas pontos cardeais, não destinos econômicos.

A pobreza continua e deve ser enfrentada. Nações frágeis permanecem e precisam ser auxiliadas. Os desafios globais estão se intensificando e necessitam ser abordados. Mas o modo como devemos tratar dessas questões está mudando. As classificações anacrônicas de Primeiro e Terceiro Mundo, doador e receptor, líderes e comandados não se aplicam mais.

Hoje, já são visíveis as tensões do multilateralismo. A rodada Doha de negociações e os debates sobre mudança climática em Copenhague revelaram como será difícil compartilhar benefícios e responsabilidades entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. O mesmo com uma série de outros desafios iminentes, tais como água, doenças, migração, demografia e estados frágeis e pós-conflito.

Não é mais possível solucionar as grandes questões internacionais sem a participação dos países em desenvolvimento. Embora tenhamos descoberto no G-20 um novo fórum, não podemos impor uma nova e inflexível hierarquia. Também não podemos abordar esse mundo em mutação pelo prisma do velho G-7. Os interesses dos países desenvolvidos, mesmo bem-intencionados, não podem representar a visão das economias emergentes.

Contudo, a modernização do multilateralismo não se resume à adaptação dos países desenvolvidos às necessidades das potências emergentes. Com o poder, vem a responsabilidade. Os países em desenvolvimento precisam reconhecer que fazem parte da arquitetura global e que têm interesse em um multilateralismo saudável.

Não há mais espaço para a geopolítica tradicional. Uma nova "Geopolítica da Economia Multipolar" precisa compartilhar responsabilidades, levando em conta as diferentes perspectivas e circunstâncias, para construir interesses mútuos.

A reforma financeira, por exemplo: é claro que uma melhor regulamentação é necessária. Contudo, temos de estar atentos às consequências indesejadas, como o protecionismo financeiro. As normas acordadas em Bruxelas, Londres, Paris ou Washington podem funcionar para os grandes bancos, mas poderiam diminuir as oportunidades e o crescimento nos países em desenvolvimento. Wall Street expôs os perigos da imprudência financeira - devemos estar atentos a isso e tomar medidas firmes. Mas a inovação financeira, quando utilizada e fiscalizada de forma prudente, tem proporcionado ganhos de eficiência e proteção contra risco, inclusive para o desenvolvimento. Um prisma populista no G-7 poderá reduzir as oportunidades para bilhões de pessoas.

Já quanto à mudança climática, a questão pode ser vinculada ao desenvolvimento e ganhar o apoio dos países emergentes para um crescimento de baixa intensidade de carbono - mas não se isso for uma imposição. Os países em desenvolvimento precisam de apoio e financiamento para investir em estratégias de crescimento mais limpas. Atualmente, 1,6 bilhão de pessoas não têm acesso à eletricidade. Enquanto cuidamos do meio ambiente, não podemos deixar que crianças africanas façam seu dever de casa à luz de velas ou negar empregos aos trabalhadores do continente. O desafio é apoiar a transição para uma energia mais limpa sem sacrificar o acesso, a produtividade e o crescimento que poderão tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza.

A resposta à crise é outro exemplo: em um mundo em transição, o perigo é que os países desenvolvidos enfoquem reuniões de cúpula sobre sistemas financeiros ou se concentrem na má administração de países desenvolvidos, como a Grécia. Os países em desenvolvimento necessitam de cúpulas que tratem das questões relacionadas à pobreza. Ouvir a perspectiva dos países em desenvolvimento não é mais uma questão de caridade ou de solidariedade, mas sim de interesse próprio. Esses países representam novas fontes de crescimento e de importação de bens de capital e serviços dos países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento não desejam apenas discutir dívidas nas nações desenvolvidas; querem enfatizar investimentos produtivos em infraestrutura e no desenvolvimento da primeira infância, bem como abrir mercados para criar empregos, aumentar a produtividade e o crescimento.

Esse novo mundo requer instituições multilaterais que sejam rápidas, flexíveis e responsáveis, que possam dar voz aos que não a tem, com recursos prontamente disponíveis. O Banco Mundial precisa de reformas para exercer esse papel, e precisa fazê-las continuamente e em ritmo cada vez mais acelerado. Por isso iniciamos as mais amplas reformas na história da instituição, inclusive com o aumento dos direitos de voto e representação dos países em desenvolvimento. No entanto, desafios implicam em recursos para serem equacionados. O Banco Mundial necessita mais fundos para apoiar a retomada do crescimento e fazer com que o multilateralismo modernizado possa vingar na nova economia mundial multipolar. Se a recuperação vacilar, estaremos prontos para apoiá-la. Esse é o motivo pelo qual o Banco Mundial está buscando o seu primeiro aumento de capital em mais de 20 anos.

Na nova economia global multipolar, a maior parte da autoridade de governo permanecerá com os estados-nação. Mas muitas decisões e fontes de influência fluirão em torno e além dos governos. O moderno multilateralismo deve trazer novos atores, estabelecer a colaboração entre novos e antigos participantes e aparelhar as instituições globais e regionais para que ajudem a enfrentar as ameaças e aproveitar as oportunidades que vão além da capacidade dos estados individuais.

O moderno multilateralismo não será um sistema hierárquico, mas se assemelhará mais à abrangência global da internet, interconectando cada vez mais países, companhias, indivíduos e ONGs por meio de uma rede flexível. Instituições multilaterais legítimas e eficientes, como o Banco Mundial, poderão formar um tecido de interconexão, dando solidez à estrutura desse dinâmico sistema multipolar. Devemos apoiar o surgimento de polos múltiplos de crescimento que possam beneficiar a todos.

Robert Zoellick é presidente do Banco Mundial.