Título: Justiça social e econômica
Autor: Cordeiro, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 05/07/2010, Opinião, p. 13

Empreendedora social A globalização no século 21 trouxe crescimento econômico e tecnológico incomensurável, porém a fome afeta, pelo menos, mais de 1 bilhão de seres humanos neste planeta. Entre os mais de 6 bilhões de habitantes, segundo as Nações Unidas, 799 milhões sofrem de desnutrição, cerca de 1 bilhão não têm moradia adequada, 2 bilhões e 400 milhões não têm acesso a saneamento básico adequado e cerca de 2 bilhões não têm acesso à eletricidade.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMC), as principais causas de mortes no mundo estão relacionadas à pobreza, como fome, diarreia, pneumonia, tuberculose, malária, doenças perinatais, doenças essas que poderiam ser prevenidas ou curadas a baixo custo, mediante alimentação saudável, água potável, vacinação, reidratação adequada e remédios.

Esses dados são inadmissíveis. É também inadmissível a tranquilidade com que ainda hoje muitos convivem com a extrema pobreza e a desigualdade.

Esse cenário socioeconômico me faz questionar: quem são os verdadeiros pobres? Aqueles que vivem em condições desumanas e lutam diariamente para sobreviver? Ou seriam aqueles que tendo poder e recursos não se reúnem para mudar essa realidade? Frente a esse cenário ¿ e com muita vontade de mudar esse futuro ¿ foi criada em 1991 a Associação Saúde Criança. No início éramos um grupo de profissionais da saúde e, ao longo do tempo, se juntaram a nós mais de 600 voluntários.

Estamos mudando o conceito de saúde e trabalhando para que esses números assombrosos mudem. Essa é a nossa função ¿ somos empreendedores sociais. Bill Drayton, fundador da organização pioneira Ashoka, diz que ¿o empreendedor social não é o que dá o peixe, nem ensina a pescar, é aquele que não descansará enquanto não revolucionar a indústria da pesca¿.

O Saúde Criança está fundamentado na ideia de que a saúde é o fator principal para que uma pessoa exerça suas capacidades e se torne um cidadão produtivo. O desenvolvimento de um país está essencialmente ligado às oportunidades que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer a cidadania.

Porém não há cidadania sem saúde integral.

E como podemos assegurar que um indivíduo seja saudável? Por meio de um programa que contemple não somente a prestação de serviços hospitalares, mas que, também, faça a prevenção com a garantia de alimentação adequada, moradia digna, saneamento, capacidade de trabalho e cidadania.

Para os mais pobres, as doenças têm consequências negativas em suas vidas que se multiplicam.

O Saúde Criança vai ao cerne desse problema, trabalhando com a família inteira, de maneira integral, criando oportunidades para que as crianças que não estão doentes possam frequentar a escola, para que o responsável dentro daquela família aprenda uma profissão, e para que todos tenham acesso à justiça, se necessário.

Aprendam também como se alimentar melhor, manter a mínima higiene e promover o autossustento.

Essa metodologia também está sendo adotada em 26 centros de referência de assistência social da prefeitura de Belo Horizonte. Estamos inspirando a política pública na cidade do Rio de Janeiro, iniciando o trabalho no Pavão-PavãozinhoCantagalo.

Alguns dos resultados desses 19 anos de Saúde Criança são a redução em 66% das reinternações dos pacientes, aumento de cerca de 40% na renda familiar e uma economia anual para os gastos públicos de R$ 2.565.000,00, considerando uma só das diversas instituições da rede. A nossa vida e daqueles que viviam em condições indignas foi transformada. Acredito que todos somos agentes de mudança.