Título: Meirelles enfrenta dilema dos juros
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2010, Finanças, p. C3

Com a expectativa de inflação em deterioração há 14 semanas consecutivas e a visão dominante de que o Banco Central (BC) deveria ter começado a agir em março, o Comitê de Política Monetária (Copom) começa hoje sua reunião de dois dias com vários indícios de que o primeiro aumento do novo ciclo de aperto monetário será de 0,75 ponto percentual.

As expectativas para o IPCA de 2010, segundo o Focus, já se encontram em 5,41% e, para 2011, em 4,8%. A mediana para o índice de 12 meses à frente subiu para 4,73%. O crescimento econômico é forte.

O Ministério da Fazenda, no documento "Economia Brasileira em Perspectiva", abandonou os 5,2% e já menciona aumento de 6% para o PIB deste ano. No mercado, há quem mencione 7%. A oferta de emprego cresce, o crédito segue em expansão e deve atingir 49% do PIB este ano e o grau de utilização da capacidade instalada é ascendente. Não se pode dizer que esse comportamento seja surpreendente. No Banco Central, o sinal de alerta para o crescimento acelerado da demanda e o risco de descasamento com a expansão da oferta começou a piscar no fim do ano passado.

Os comunicados do BC sobre a reunião do Copom de março para cá e as declarações mais recentes do presidente da instituição, Henrique Meirelles, foram tortuosos. A ata do Copom de março listou todos os riscos inflacionários à vista, deu sinais de que o aumento poderia ser de 0,75 ponto percentual em abril e manteve a Selic em 8,75% ao ano. Nesse meio tempo Meirelles desistiu de sair do BC para arriscar uma carreira política e passou a citar a existência de um certo "cronograma" original de elevação de taxas de juros que o comitê preferiu respeitar.

No momento em que o mercado começou a apontar para uma elevação de 0,75 ponto, em pronunciamento no Senado Federal e em entrevistas, Meirelles deu declarações desincentivando essa aposta e alegando que o BC não foi surpreendido pela força do crescimento. Começou, também, a deixar de lado a inflação do calendário gregoriano e a indicar que trabalha com um "horizonte relevante", de 12 a 18 meses à frente.

No fim de semana, durante a reunião do Fundo Monetário Internacional, Meirelles chamou a atenção para a necessidade de "ações vigorosas contra a inflação" e alertou para os "riscos de superaquecimento" da economia brasileira. "Não está fácil acompanhar o pensamento do Banco Central", comentou a economista Mônica Baumgarten de Bolle, na carta da consultoria Galanto. "Estamos convivendo com um choque de oferta (commodities, climático), choque de demanda, e também com choque de expectativas e isso exige uma ação mais robusta da política monetária no curto prazo", resumiu Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper, que mantém sua previsão de um aumento de 0,75 ponto percentual.

Nas últimas semanas, o mercado andou dividido e em zigue-zague. Começou apostando na elevação mais forte da Selic, de 0,75 ponto. Com as declarações de Meirelles, baixou para 0,50 ponto. Ontem, estava rachado.

A leitura que analistas experientes fazem é que essas idas e vindas acabam por favorecer o presidente do BC. Meirelles se encontraria num dilema. Se o Copom elevar os juros em apenas 0,5 ponto, na quarta-feira, e tomando como pressuposto que a situação exige uma elevação de três pontos ou mais, o aperto monetário estará em processo durante as eleições presidenciais, o que não é bom politicamente para o governo. Se a opção for por começar com 0,75 em linha com a expectativa do mercado, deixará claro que a decisão de março não foi acertada e que a autoridade monetária está atrasada no controle da inflação.

Com o mercado dividido quase que meio a meio, a escolha por uma puxada mais salgada dos juros mostraria que mesmo nas mãos preponderantes de técnicos da casa - com a saída dos dois Mários (Torós e Mesquita) -, a diretoria do BC é e continuará sendo intransigente com a inflação.