Título: Lula cobra Chávez por atraso em pagamentos
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2010, Brasil, p. A3
Sergio Leo, de Brasília
A Venezuela voltou a atrasar pagamentos a empresas brasileiras e o tema volta, hoje, à mesa de discussões dos governos venezuelano e brasileiro, em visita que o presidente do país, Hugo Chávez, faz ao Brasil. Uma das principais prejudicadas é a Marcopolo, que cobra o pagamento pela venda de carrocerias produzidas na fábrica da empresa na Colômbia por encomenda do governo venezuelano. A empresa não quis falar ontem sobre o assunto por estar em "período de silêncio", devido à divulgação de resultados prevista para o dia 3. No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a enviar emissários a Chávez para obter a garantia de pagamento de atrasados a firmas brasileiras. Desde o início deste ano, empresários brasileiros voltaram a recorrer ao governo brasileiro com queixas de atrasos nos pagamentos do Cadiv, sistema de câmbio de moedas usado na Venezuela para pagamentos de compromissos com o exterior. Segundo um alto funcionário brasileiro, os valores não são altos, mas o que preocupa, em Brasília, é o fato de que muitas das empresas afetadas são de médio porte. O não pagamento cria dificuldades de caixa para as companhias, que preferem não ser identificadas com temor de represálias do governo venezuelano. Em 2009, os atrasos, regularizados por ordem de Chávez, eram estimados em US$ 15 milhões. É um número pequeno, quando comparado às vendas do Brasil à Venezuela no primeiro trimestre, de quase US$ 778 milhões, mas gera atritos no setor privado. A Kepler Weber. empresa com sede em Panambi (RS), está sendo afetada pela demora da liberação do câmbio para os importadores venezuelanos, o que impede o embarque de silos para armazenagem de grãos produzidos pela empresa. Segundo o presidente da companhia, Anastácio Fernandes Filho, os clientes já haviam pago o adiantamento para a fabricação dos equipamentos, mas agora não conseguem concluir as operações. O executivo não revelou quantos silos estão parados nem o valor dos negócios. De acordo com ele, são cerca de 500 toneladas de aço em equipamentos prontos para embarcar há dois meses. De 2001 a 2008, antes dos entraves impostos pelo governo, a Venezuela comprava cerca de 2 mil toneladas por ano em produtos da Kepler. "A decisão do governo venezuelano fez muitos clientes adiarem investimentos", afirmou Fernandes Filho. A Calçados Pegada, de Dois Irmãos (RS), tem 10 mil pares de calçados prontos para embarcar para a Venezuela desde dezembro, mas o distribuidor local não consegue liberar o câmbio para fechar a operação, disse o responsável pelas exportações da empresa gaúcha, Rafael Schmidt. Esse volume equivale a US$ 250 mil e quase um mês de vendas externas da indústria. Apesar do atraso de pagamentos às empresas brasileiras, Chávez e Lula devem dar prioridade à agenda positiva bilateral, que incluirá a assinatura de contrato para instalação d e uma fábrica de latas para alimentos na Venezuela. Os acordos de "integração produtiva" entre os dois países caminham lentamente, devido à forte burocracia no governo Chávez, que, recentemente, trocou pela segunda vez o ministro responsável pelas negociações com o Brasil. Os dois presidentes devem reafirmar a aliança dos dois governos e discutir a agenda da próxima reunião da Unasul, em Buenos Aires, dia 4 de maio. Lula espera obter sinais de aprovação de Chávez para o acordo militar recém-firmado entre Brasil e EUA, e ressaltar a diferença entre esse tipo de acordo de cooperação e o firmado entre EUA e Colômbia, que previa manutenção de tropas americanas em território colombiano. Ontem à noite, funcionários dos dois governos discutiam detalhes da agenda para as reuniões que Chávez e Lula manterão de manhã. Na pauta de discussões estão programas de cooperação bilateral nas áreas de indústria, agricultura, desenvolvimento urbano, universalização de serviços bancários e integração fronteiriça e medidas para "estimular o intercâmbio de experiências sobre programas sociais", segundo informou o Itamaraty. (Colaborou Sergio Bueno, de Porto Alegre)