Título: Cooperativas montam estratégia eleitoral
Autor: Grabois, Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2010, Especial, p. A16
de São Paulo
Um universo de 8,5 milhões de associados a cooperativas - 2,8 milhões apenas no Estado de São Paulo - terá uma oportunidade inédita nessas eleições para influenciar candidaturas majoritárias e a formação de bancadas parlamentares. Pela primeira vez, a lei eleitoral permitirá que as cooperativas façam doações a campanhas. De cooperativas agrícolas com faturamento de mais de R$ 1 bilhão a cooperativas de trabalhadores, saúde ou crédito, essas organizações já têm representantes e até uma frente de 244 parlamentares no Congresso, a Frencoop (Frente Parlamentar do Cooperativismo), presidida pelo deputado Odacir Zonta (PP), agricultor cooperativista de Santa Catarina. Edivaldo Del Grande, presidente da Ocesp, organização que reúne cooperativas de dez segmentos no Estado de São Paulo, diz que poucos deputados e senadores da Frencoop se engajaram de fato para atender as demandas dos associados. "Desse grupo, conseguimos contar firmemente com poucos", afirma. O apoio a candidatos não terá viés ideológico ou partidário. "Não é política partidária, o que importa para nós são aquelas pessoas que nos protegem, nos ajudam, que melhoram a vida do cooperado. Queremos fazer o lobby saudável", diz. A Ocesp contratou até um lobista profissional para tratar do assunto a partir destas eleições. No cargo de diretor de relações institucionais da Ocesp está Julio Gushiken, primo do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Luiz Gushiken, que fez parte da primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), há potencial de os 2,8 milhões de cooperados do Estado virarem 9 milhões de votos se a mobilização interna for bem feita. "Se tivermos 10% desses nove milhões, elegemos dez deputados", diz Gushiken. A meta das cooperativas é eleger dois deputados federais e dois estaduais em cada Estado brasileiro, independentemente do partido. Alguns candidatos têm origem na própria cooperativa. O presidente da Central Nacional de profissionais da Educação, Inacio Moraes, pretende lançar-se como candidato a deputado estadual pelo PRP de São Paulo. Somente na central que dirige, são 10 mil cooperados, entre professores, pessoal administrativo, de limpeza e de segurança que trabalham como prestadores de serviço de municípios e do Estado ou na rede privada. O plano de saúde Unimed é outra cooperativa. Em atual embate com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o plano de saúde tem uma área apenas para tratar de assuntos no governo, o núcleo de ações estratégicas e conta com representantes na Câmara, como os médicos Sérgio Antonio Nechar (PP-SP) e Marco Aurélio Ubiali (PSB-SP). "A ANS pode quebrar os planos de saúde. Temos que levar aqueles que nos defendem de volta", afirma o presidente da Ocesp. Em Jundiaí (SP), a Unimed da região, que abrange 12 municípios, tem três candidatos locais, todos médicos. Neste mês, o vice-prefeito da cidade, Luiz Fernando Machado (PSDB), esteve em evento das cooperativas em busca de apoio para sua candidatura a deputado federal. "A cooperativa é importante para obter apoio eleitoral. Eles já são organizados, têm comunicação interna, cadastro pronto", disse Machado. Entre as cooperativas, há diferenças de porte e de poder financeiro. A Copersucar, por exemplo, reúne 36 usinas de álcool e açúcar. Juntas, doaram cerca de R$ 786 mil a candidatos de todo o espectro partidário nas eleições municipais de 2008. Ou ainda a Carol, cooperativa agrícola com atuação em cinco Estados e dona de faturamento de R$ 1,4 bilhão em 2008. O cientista político Bruno Speck, da Unicamp, duvida da coesão entre as cooperativas que permita direcionar o voto a um candidato específico. "Talvez funcione do ponto de vista do candidato, de alguém que ele consiga mobilizar da diretoria, mas isso acontece no miúdo", afirmou. Speck arrisca dizer que muitas dessas cooperativas se organizam da mesma forma em sindicatos ou federações empresariais ou de trabalhadores, entidades proibidas pela legislação de fazer doações em campanhas eleitorais. A doação pela cooperativa, neste caso, seria uma maneira de contribuir legalmente em campanha eleitoral sem a identificação da empresa. A partir destas eleições, os partidos terão que especificar para qual candidato cada doador destinou dinheiro ao prestar contas ao TSE. Nas eleições de 2008, empresas do ramo imobiliário associadas ao Secovi-SP, o sindicato do setor em São Paulo, doaram a candidatos por meio da Associação Imobiliária Brasileira (AIB). As doações da AIB motivaram até pedido de cassação dos mandatos do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), de sua vice, Alda Marco Antonio (PMDB) e de oito vereadores. A Justiça Eleitoral de São Paulo interpretou que a AIB era uma entidade de faxada, criada apenas para destinar dinheiro a candidatos. O sistema de organização eleitoral das cooperativas no Brasil guarda escassas semelhanças com o sistema de doação americano, onde associações de funcionários de uma empresa podem doar com limite de US$ 5 mil a cada candidato. Lá, as empresas são impedidas de doar, mas seus executivos podem fazer doações do próprio bolso por meio de PACs (Political Action Committees, comitês de ação política), que também defendem interesses particulares de um setor industrial ou uma questão pontual, como o direito ao aborto. "Sabe-se que, indiretamente, as empresas acabam incentivando a doação, mas não existe a doação direta da empresa", diz Speck, especialista em financiamento eleitoral. Para Luiz Carlos Gonçalves, procurador regional eleitoral de São Paulo, ligado ao Ministério Público Federal, o movimento das cooperativas é um exemplo da fragilidade dos partidos políticos no Brasil e da maior influência dos interesses econômicos no processo eleitoral. "De qualquer forma, é um avanço. Grandes cooperativas com interesses não precisarão fazer caixa 2", disse.