Título: Crise deve fazer a Espanha investir menos e depender mais da América Latina
Autor: Hope, Kerin; Tait, Nikki
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2010, Internacional, p. A13

The Wall Street Journal, de Buenos Aires Para a América Latina, cuja volatilidade econômica serviu de estopim para inúmeras crises internacionais no decorrer dos anos, os problemas financeiros da Espanha representam uma reversão de papéis. Hoje em dia, são as economias relativamente robustas da América Latina que temem contágio do doente Velho Mundo. Enquanto a América Latina se prepara para um crescimento regional sólido, na casa de 4% este ano, as bandeiras de alerta começam a ser desfraldadas devido ao cenário pessimista na Espanha, a segunda maior fonte de investimento estrangeiro e de remessas de imigrantes para a região, depois dos Estados Unidos. A Standard & Poor"s rebaixou na quarta-feira em um grau a avaliação de risco da Espanha, citando as fracas perspectivas de recuperação da crise, causadas pelo estouro da gigantesca bolha imobiliária. Na sexta-feira, foi a vez de o Instituto Nacional de Estatísticas da Espanha afirmar que o desemprego chegou a 20% no primeiro trimestre, quando a economia continuou eliminando postos de trabalho após o colapso do boom da construção civil. Os investimentos da Espanha numa América Latina em crescimento são uma das poucas perspectivas positivas para o país atualmente. Os economistas dizem que várias economias da América Latina em que há investimentos espanhóis de grande porte - como Brasil, Chile e Colômbia - estão bem posicionadas para resistir a quaisquer ondas de choque da Europa porque têm orçamentos equilibrados, boas perspectivas de crescimento e níveis confortáveis de reservas internacionais. Além disso, a importância econômica da Espanha na região, que chegou ao auge quando grandes empresas do país abocanharam bilhões de dólares em ativos durante a onda de privatizações dos anos 90, tem sido cada vez mais eclipsada pelo ascensão da China, que tem comprado volumes gigantescos de exportações latino-americanas de recursos naturais. "A era de privatizações envolvendo capital espanhol já passou (...) e hoje em dia estamos muito mais focados na China e nas commodities", disse o economista Cristian Gardeweb, da Celfin Capital, de Santiago, no Chile. Por isso, muitos economistas estão relativamente confiantes. "A maioria das grandes economias da região agora conta com as ferramentas necessárias para resistir a esses choques e, se sobreviveram à crise mundial, não devem entrar em colapso agora", disse Alejandro Neut, economista da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, em Paris. Mas a América Latina pode sofrer se a crise espanhola se aprofundar e os investidores mundiais decidirem ser mais conservadores. Muitos economistas latino-americanos estão acompanhando atentamente a saúde de grandes bancos espanhóis, como o Banco Santander e o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, que têm presença importante em vários mercados latino-americanos. Além disso, países como Equador, Peru e Colômbia sentiram a redução das remessas de seus cidadãos que moram na Espanha. O total de remessas da Espanha para o resto do mundo caiu 15% de 2007 para 2009, para cerca de ¿ 7,1 bilhões (US$ 9,4 bilhões), segundo o BC espanhol. Certamente que em alguns aspectos os países latino-americanos viraram a mesa em relação a uma de suas antigas metrópoles coloniais. No início dos anos 90, esses países, que acabavam de voltar à democracia, cambaleavam após uma crise induzida pelo endividamento excessivo e tentavam imitar a emergência da Espanha como uma economia vibrante após anos de isolamento na ditadura de Francisco Franco. Os governos latino-americanos venderam dezenas de bilhões em ativos estatais e deram boas vindas aos compradores espanhóis, como a Telefónica, a petroleira Repsol YPF e a elétrica Iberdrola. Alguns na região chegaram a fazer piada com a "volta dos conquistadores". A Espanha descobriu que investir no Novo Mundo era como andar na montanha-russa. Os mercados financeiros de Madri sofreram com o declínio do supervalorizado peso mexicano em 1995, e da moeda argentina atrelada ao dólar em 2001 e 2002. Mas os políticos latino-americanos aprenderam alguma coisa na última década e é por isso que a região resistiu à crise financeira num estado muito melhor que o da Espanha. Quando ocorreu o primeiro choque financeiro, no fim de 2008, as maiores economias da região contavam com reservas em dólar substanciais, endividamento relativamente pequeno e câmbio flutuante, o que propiciou a flexibilidade necessária para resistir ao choque. O governo esquerdista do Brasil, maior economia da região, conquistou os mercados financeiros com uma administração responsável do orçamento e da dívida, permitindo que o país se tornasse credor externo em 2008. Em comparação, a Espanha está sufocada por uma dívida substancial e déficit de mais de 11% do PIB, quase quatro vezes o teto admitido pela União Europeia. Ainda por cima, como a Espanha integra a zona do euro, não tem a flexibilidade de poder desvalorizar sua moeda para incentivar as exportações. Ironicamente, os investimentos espanhóis na relativamente vibrante América Latina, avaliados em ¿ 128 bilhões de 1993 a 2009, podem se tornar a salvação do país, diz Pablo Toral, cientista política da Faculdade Beloit, que já pesquisou o papel econômico da Espanha na região. Os investimentos "foram extremamente bem-sucedidos, uma das melhores decisões econômicas da Espanha nos últimos 14 anos", segundo Toral. A companhia energética Iberdrola conseguiu compensar a demanda e os preços menores na Espanha com o boom no Brasil, onde a empresa opera várias usinas hidrelétricas e é uma das maiores distribuidoras de eletricidade do país, por meio do grupo Neoenergia, presente na Bahia, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. O presidente do conselho, Ignacio Galán, disse ao "Wall Street Journal" na quarta-feira que a empresa foi "punida menos" pela crise nos mercados graças a sua estratégia de diversificação. A Repsol, que foi prejudicada pelo tabelamento dos combustíveis e o declínio da produção na Argentina, começou a se beneficiar de sua exposição significativa à América Latina. Ela planeja vender uma participação na filial argentina YPF para investidores institucionais ou cogita abertura de capital. O presidente do conselho, Antonio Brufau, disse na quinta-feira que espera fechar um acordo relativo à YPF nos próximos meses. O Santander divulgou na quinta-feira resultados melhores que os esperados para o primeiro trimestre, em parte por causa do boom nos lucros brasileiros, que ajudaram a compensar a turbulência em seus negócios domésticos. "Essas posições estão consolidadas e são lucrativas, e podem ter um papel muito estratégico para as empresas que enfrentam problemas na Europa", disse Alessandro Rebucci, economista sênior do BID. "Os bons resultados na América Latina podem ajudá-las a sobreviver em casa."