Título: Mercado de carbono sem a ONU
Autor: Windham-Bellord, Karen
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2010, Opinião, p. A15

Tentativa de leilão da BM&F Bovespa consolida o Brasil como um player no mercado global de carbono.

Nas discussões climáticas em Bonn, em Abril, com o objetivo de progredir nas negociações e definir questões organizacionais e metodológicas de trabalho, Yvo de Boer, presidente da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, afirmou que a próxima Conferência das Partes (COP), em Cancún, em novembro, não chegará a um instrumento definitivo para substituir o Protocolo de Kyoto, que expirará em 2012. A COP de Copenhague realizada em dezembro de 2009 não garantiu um acordo entre os 194 membros da Convenção do Clima (sendo que 190 ratificaram o Protocolo), mas a presidência da COP elaborou uma minuta de acordo, que tem sido criticado pela falta de transparência em sua elaboração. Todavia, até agora 112 países já o apoiaram. Para os mais otimistas, houve progresso porque houve promessa de financiamento de atividades de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento de US$ 30 bilhões no período de 2010 a 2012 e de mais US$ 100 bilhões pós 2020. A possível falta de regulamentação das Nações Unidas para 2013 gera grande insegurança no mercado de carbono ligado a Kyoto. Tal mercado foi desenvolvido para que os países que se obrigaram a uma meta de emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE) pudessem cumpri-las. O Protocolo de Kyoto serviu de inspiração para os mercados voluntários onde empresas estabelecem metas voluntárias de redução vão ao mercado para alcançá-las, por meio da compra de créditos (caso o preço da redução de suas emissões esteja acima do preço de venda do crédito) ou da venda de créditos (caso consigam diminuir as emissões de forma mais barata que o preço do crédito comercializado). Essa alocação de recursos promove a redução eficiente de GEE, sendo esse o grande mérito do mercado de créditos de carbono. O mercado de carbono de Kyoto tem movimentado menos recursos após a COP de Copenhague. A falta de consenso reside em questões básicas, tais como, se haverá um ou dois instrumentos sucessores de Kyoto, dividindo ou não as obrigações dos países desenvolvidos, em desenvolvimento e daqueles em economia de transição. Os países em desenvolvimento até há pouco tempo favoreciam a inexistência de qualquer forma de limitação em suas emissões uma vez que historicamente foram os países desenvolvidos que mais emitiram GEE. Todavia, na preparação para a COP, China, Índia e Brasil mudaram de posição e enviaram sinais positivos de sua disposição a assumir obrigações voluntárias. O grande problema a ser superado em Cancun é a total falta de confiança entre as partes devido ao fato de o Acordo de Copenhague ter sido fruto de uma negociação de alto nível com participação limitada, protegendo interesses limitados. Esta falta de confiança fez com que as conversas pós-Copenhague não atingissem resultados. O mercado voluntário por sua vez não sofre dessas incertezas, pois suas regras estão bem definidas e independem dos resultados das negociações nas Nações Unidas. Em 2009, os volumes negociados no mercado global de carbono foi de 82 bilhões de gigatoneladas, representando um aumento em 68% do volume negociado em 2008, ano em que o mercado havia aumentado o volume de negociações em 83% se comparado a 2007. Importante notar que esses aumentos representam um grande feito para o mercado de carbono pois várias commodities mundiais, no mesmo período, sofreram drásticas reduções em volumes negociados. Apesar do impressionante aumento no volume, os valores negociados em 2009, 2008 e 2007 são respectivamente US$ 136, US$ 133 e US$ 40 bilhões. A redução nos preços dos créditos voluntários não siginifica uma queda no interesse por tais títulos. No Brasil, a criação de um mercado voluntário vem sendo planejada pela BM&FBovespa desde 2005. Houve duas tentativas frustrada de leilão em 2007 e 2008 que ofereciam créditos da Prefeitura de São Paulo em relação a projetos de aterros sanitários sob os auspícios do Protocolo de Kyoto. Em 08 de Abril de 2010, a BM&FBovespa realizou um leilão, desta vez de créditos voluntários (não regulamentados por Kyoto) de 180 mil unidades. Tais créditos se originaram de nove projetos de biomassa gerenciados pela Carbon Social Serviços Ambientais em cerâmicas brasileiras espalhados por seis estados. Tais reduções foram verificadas por entidades credenciadas com preço entre R$ 10,00 e R$ 12,00 por unidade. O leilão terminou sem arrematações. Essa tentativa de estabelecer no Brasil um mercado voluntário de carbono pode parecer evidências de fracasso. Mas seria uma conclusão a que apressados chegariam. Os mais atentos sabem que tais tentativas representam um sucesso de empreendedorismo, consolidando o Brasil como um player no mercado global e fomentando o comércio de carbono dentro de um ambiente organizado. Também fornece aos geradores de créditos a opção de os venderem dentro do país com segurança, transparência e preços interessantes. Essas conclusões são bastante factíveis se compararmos o mercado de carbono com o Novo Mercado, também voluntário. O Novo Mercado demorou três anos para consubstanciar sua importância em aumentar e diversificar os investidores na Bolsa. Agora, os investidores exigem o selo da governança corporativa com regras transparentes, câmara de arbitragem para resolução de conflitos e maiores garantias para os acionistas minoritários. Em 2009, todas as ofertas públicas iniciais realizadas escolheram o Novo Mercado. Assim como o Novo Mercado demorou para decolar, acredito que as negociações de carbono na Bolsa seguirão o mesmo caminho até chegar o dia em que investidores darão preferência para empresas que possuam metas voluntárias de reduções, fomentando o volume de negociações de tais créditos.