Título: Estudo de economista aponta distorções regionais
Autor: Zanatta , Mauro
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2010, Brasil, p. A4
No início de fevereiro, quando teve fortes dores de cabeça, mal-estar generalizado e quase não se aguentava em pé, o lavador de carros Manoel Ferreira da Silva engrossou as estatísticas da explosão da dengue no país e virou parte das teorias de qualidade dos gastos públicos em saúde.
Morador de Santo Antônio do Descoberto, cidade goiana de 60 mil habitantes vizinha do Distrito Federal, o mineiro de 34 anos buscou socorro no hospital universitário de Brasília, o HUB. Como a emergência estava em reforma, seguiu ao Hospital da Asa Norte (Hran). Ali, permaneceu deitado por 12 horas em um dos bancos da sala de espera superlotada. "Nem um copo d"água me deram", diz. Às 11 da noite, recebeu o diagnóstico de enxaqueca e uma receita de paracetamol. Ferreira esboçou um protesto, mas o cansaço, a dor e a tortura da espera o levaram à busca do remédio.
A dor cedeu, mas passou mal novamente. No dia seguinte, procurou o hospital municipal de Santo Antônio. Ali, tomou soro e quatro injeções. "Fiquei bom na hora", lembra. Os exames confirmaram a suspeita: era mesmo dengue. A doença passou, mas ficaram o prejuízo de sete dias sem trabalhar e a indignação com o sistema: "Me atenderam mal porque moro no entorno de Brasília", constata. "Mas aprendi. Vou fazer um plano de saúde. Não tem outro jeito."
O caso do lavador de carros, um entre os 9 mil registros de dengue este ano em Brasília, revela distorções regionais e mostra que a oferta de serviços depende menos do volume de dinheiro investido na saúde e mais da qualidade da despesa. "A vinculação constitucional mínima de 12% de gastos em saúde obriga o gestor a gastar de qualquer jeito, sem preocupação com qualidade", diz o economista Júlio Gregory Brunet, coautor de um estudo comparativo entre despesas totais e nível de serviços oferecidos aos contribuintes.
O Índice de Qualidade do Gasto Público (IQGP) traduziu os números dos Estados em um ranking de eficiência dos gastos. Os dados mostraram que, mesmo com oferta de serviços semelhante, os gastos do Distrito Federal são bem diferentes das despesas de Goiás, onde está Santo Antônio do Descoberto. Em 2007, Goiás gastou R$ 373 por habitante enquanto o DF desembolsou R$ 1.078 - a mais alta despesa do país. Mas a análise mostra que Goiás fez muito mais consultas e internações pelo SUS, além de oferecer uma rede maior de hospitais públicos, postos de saúde e mais leitos. Goiás também registrou menos incidência de tuberculose e aids, além de menores taxas de mortalidade materna e baixo peso do bebê ao nascer.
Resultado: Goiás figurou em 5º e o DF apenas em 24º no índice geral de qualidade da despesa de acordo com a oferta de serviços e o ranking ponderado do gasto. Mesmo gastando menos em saúde, Goiás oferece serviços melhores a custos menores do que o DF. "Esse é um exemplo de que o gigantismo do sistema gera perda de eficiência e pouca preocupação com a gestão", afirma Brunet.
Os dados, apurados com base em 17 indicadores específicos revelaram que o volume de problemas e a perda de eficiência são proporcionais ao tamanho da unidade federativa. Nos Estados do Norte, onde os orçamentos per capita são maiores, os gastos têm menos eficiência. No Pará, por exemplo, há mais recursos per capita, mas a oferta de serviços é baixa. Para criar o ranking, foram usados três indicadores: de insumo, com a despesa per capita em saúde; de produto, composto pela oferta de serviços (consultas pelo SUS, enfermeiros, hospitais, médicos, leitos, internações, postos e unidades); e de resultados (gravidez, expectativa de vida, incidência de tuberculose, aids, dengue, suicídio, mortalidade infantil, materna e baixo peso dos bebês). (MZ)