Título: Nova investida do Ficha Limpa
Autor: Mello, Alessandra
Fonte: Correio Braziliense, 03/07/2010, Política, p. 2

Movimento que ajudou a dar visibilidade à lei que impede candidatura de políticos condenados pela Justiça prepara-se para questionar liminares favoráveis aos ¿sujos¿ e fazer valer o projeto

Belo Horizonte ¿ A decisão dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de suspender a inelegibilidade da deputado estadual Isaura Lemos (PDT-GO) e do senador Heráclito Fortes (DEM/PI,) que recorreram à Corte para garantir o registro da candidatura nas eleições, provocou reação imediata. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), uma rede de organizações responsável pela mobilização que levou à aprovação da lei do Ficha Limpa, prepara nova mobilização para fazer valer a sua aplicação.

Para um dos coordenadores do MCCE, o advogado Luciano dos Santos, a decisão, no caso de Fortes, não impede os efeitos da lei, pois sua suspensão só pode ser concedida por decisão colegiada(1) e nunca monocrática (só um ministro, desembargador ou juiz), diferentemente do anunciado pelo próprio Supremo. ¿A Lei Ficha Limpa é claríssima a esse respeito. Os efeitos da inelegibilidade só podem ser suspensos por decisão colegiada¿. Ele disse que, apesar das duas recentes decisões, o movimento está confiante de que a lei vai ser aplicada, porque ela conta inclusive com posicionamento favorável dos integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que são os responsáveis finais por acatar ou não os pedidos de registro de candidaturas.

Essa é a mesma interpretação do juiz Marlon Reis, também da coordenação do MCCE. Para ele, os dois políticos continuam inelegíveis até que a corte do STF ou do TSE se manifeste sobre a aceitação ou não do pedido de suspensão dos efeitos da lei. Para ele, é natural que haja essa contestação.

Na segunda, o MCCE deve se pronunciar oficialmente sobre a decisão do STF e promete iniciar uma mobilização para que a lei seja aplicada conforme o texto, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho. A campanha em prol da aplicação da lei a o chamamento para que a população fiscalize seu cumprimento em todas as instâncias da Justiça já começou no perfil oficial que o MCCE mantém no microblog Twitter (@fichalimpa) e que já conta com mais de sete mil seguidores. ¿A aprovação dessa lei é resultado de um trabalho de três anos que não pode terminar com o Judiciário dando decisões incompatíveis com o que está previsto no texto da lei¿, destacou Reis.

Saudável O presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, disse ontem, em Curitiba, que as decisões do STF não abrem brecha na legislação. ¿A lei permanece intocada, permanece rígida, saudável e valendo¿, afirmou. ¿Por enquanto, não há questionamento sobre a constitucionalidade da lei¿, disse o ministro, que prevê contestações sobre sua validade no STF e no TSE.

Santos também acredita em uma enxurrada de recursos contra o Ficha Limpa, mas considera normal essa postura, já que todos têm direito de acionar a Justiça caso se sintam prejudicados. ¿Essa eleição vai ser um grande teste para o Ficha Limpa e vai servir para sedimentar a jurisprudência a respeito do assunto. É mais do que normal que isso ocorra¿, destacou o advogado. Ele integra em São Paulo o Comitê 9840, de combate à corrupção eleitoral, referência ao número de uma lei de iniciativa popular que também foi muito questionada na época de sua entrada em vigor, mas que hoje já é consenso em todos os tribunais.

1 - Julgamento prioritário Segundo o texto do Ficha Limpa, o órgão colegiado ao qual couber apreciar os recursos de candidatos ¿fichas sujas¿ poderá suspender a inelegibilidade sempre que existir argumento consistente. Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade. Mantida a condenação que determinou a inelegibilidade ou revogada a liminar, o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao ficha suja perdem a validade.

A Lei Ficha Limpa é claríssima. Os efeitos da inelegibilidade só podem ser suspensos por decisão colegiada¿

Luciano dos Santos, advogado do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral

Deputada beneficiada

Diego Abreu

Há menos de um mês em vigor, a lei do Ficha Limpa, vista como um mecanismo para moralizar as eleições, já encontra resistências no Judiciário. Ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF) assegurou pela segunda vez, em dois dias, que políticos condenados possam receber o registro de candidatura para disputar as eleições de outubro. As decisões indicam que nos próximos dias muitas novas ações devem chegar ao Supremo, com boas possibilidades de terem desfecho favorável aos ¿fichas sujas¿.

Os pedidos de registro de candidatura serão recebidos pela Justiça Eleitoral até segunda-feira. A expectativa é que, a partir dessa data, todos os que forem barrados recorram aos tribunais, que funcionam em todo o país em esquema de plantão ¿ pois o recesso do Judiciário começou na última quinta e se estenderá até 1º de agosto. Na primeira quinzena de julho, o vice-presidente do STF, Carlos Ayres Britto, ficará de plantão na Suprema Corte.

A mais nova beneficiada com decisão do STF sobre o Ficha Limpa(1) foi a deputada estadual Isaura Lemos (PDT-GO), que ganhou liminar do ministro José Antonio Dias Toffoli. A decisão suspende os efeitos da condenação imposta a Isaura pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia e, posteriormente, confirmada pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO). Ameaçada até então de não disputar o pleito, a parlamentar havia recorrido ao Supremo na tentativa de reverter a inelegibilidade. Na avaliação de Toffoli, não há motivos para que ela seja impedida de concorrer a uma vaga de deputada federal.

Argumento De acordo com o ministro do STF, a deputada não foi condenada por órgão colegiado, mas por um juízo de primeiro grau, na época em que já exercia a função parlamentar. Para Toffoli, ela teria a prerrogativa de responder ao processo no pleno do TJ-GO, o que não ocorreu.

Na quinta-feira, o STF já havia garantido a candidatura do primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), que pretende disputar a reeleição. O efeito suspensivo concedido pelo ministro Gilmar Mendes congelou a condenação em segunda instância imposta ao senador pelo uso irregular de recursos de publicidade institucional em benefício próprio na época em que era prefeito de Teresina (1989-1992).

Outra liminar, concedida ontem pelo TSE, permitirá que o deputado federal Márcio Junqueira (DEM-RR) seja candidato. Cassado por corrupção eleitoral pelo TRE de Roraima, ele continua no cargo.

1 - Regras do jogo A lei do Ficha Limpa prevê que os políticos condenados por órgão colegiado fiquem impedidos de disputar as eleições. Segundo o TSE, a regra vale independentemente de a condenação ter ocorrido antes ou depois da publicação da norma. Políticos cassados pela Justiça Eleitoral ficam inelegíveis por oito anos, contados do ano da eleição. Os que renunciaram para escapar de cassação ficam proibidos de disputar o pleito por oito anos, calculados a partir do momento em que terminaria o mandato.