Título: Um socorro à Grécia é só o começo
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2010, Opinião, p. A11

Está se pedindo à Grécia que faça o que fez a América Latina na década de 1980. Aquilo resultou numa década perdida

Em tempos de desespero; medidas desesperadas. Após meses de atraso, a zona do euro providenciou um enorme pacote de ajuda à Grécia. Ao envolver o Fundo Monetário Internacional (FMI), a pedido da Alemanha, a Grécia obteve alguns recursos adicionais e um programa melhor. Mas, será que vai funcionar? Infelizmente, tenho dúvidas.

E qual é o programa? Em linhas gerais, é um pacote de 110 bilhões de euros (equivalentes a pouco mais de um terço da dívida da Grécia), dos quais 30 bilhões virão do FMI (muito mais do que normalmente permitido) e o restante da zona do euro. Isso seria suficiente para manter a Grécia fora do mercado, se necessário, por mais de dois anos. Em contrapartida, a Grécia prometeu uma consolidação fiscal de 11% do Produto Interno Bruto (PIB) no prazo de três anos, além das medidas tomadas anteriormente, com a meta de chegar a um déficit de 3% em 2014, abaixo dos 13,6% em 2009. Medidas voltadas para reduzir gastos governamentais deverão produzir uma economia de 5,25% do PIB em três anos: pensões e salários serão reduzidos e então congelados por três anos, sendo abolido o pagamento de bônus sazonais. As medidas tributárias deverão render 4% do PIB. Mesmo assim, prevê-se que a dívida pública atingirá um pico de 150% do PIB.

Adeus à fantasia de que haveria uma leve contração econômica neste ano, seguida por um retorno ao crescimento estável. O novo programa prevê, aparentemente, uma redução acumulada de aproximadamente 8% do PIB, embora essas previsões sejam, naturalmente, muito incertas. Da mesma forma, o plano antigo baseava-se no pressuposto de que a Grécia poderia reduzir seu déficit orçamentário para menos de 3% do PIB ao final de 2012. O novo plano estabelece 2014 como ano alvo.

Duas outras provisões do que foi decidido são dignas de nota: em primeiro lugar, não deverá haver reestruturação da dívida e, em segundo lugar, o Banco Central Europeu (BCE) suspenderá a avaliação de crédito mínima exigida para os ativos gregos garantidos pelo governo e usados em suas operações de liquidez, oferecendo, assim, uma tábua de salvação para os bancos gregos mais vulneráveis. Afinal, o programa parece sensato, seja para a Grécia ou para a zona do euro? Sim e não em ambos os casos.

Comecemos com a Grécia. O país já perdeu acesso aos mercados. Assim, a alternativa a concordar com esse pacote (possa ele ser ou não implementado) seria inadimplência. O país, então, deixaria de pagar os juros da dívida, mas teria de zerar imediatamente seu déficit fiscal primário (o déficit antes do pagamento de juros), de 9% a 10% do PIB. Isso seria um aperto muito mais brutal do que a Grécia agora pactuou. Além disso, com um default, o sistema bancário entraria em colapso. A Grécia está certa em prometer mundos e fundos visando ganhar o tempo necessário para eliminar o déficit primário de forma mais suave.

Willem Buiter, economista-chefe do Citigroup, comenta, em um novo e fascinante estudo, que outros países de alta renda, Canadá (1994-98), a Suécia (1993-1998) e a Nova Zelândia (1990-1994), tiveram êxito em promover uma consolidação orçamental. Mas as condições foram muito mais favoráveis. Está se pedindo à Grécia que faça o que fez a América Latina na década de 1980. Aquilo resultou numa década perdida, e os beneficiários foram os credores estrangeiros. Além disso, uma vez que os credores estão sendo pagos para escapar, quem irá substituí-los? Esse pacote certamente não conseguirá trazer a Grécia de volta ao mercado em condições administráveis em poucos anos. Mais dinheiro será necessário se a reestruturação da dívida for, imprudentemente, descartada.

Para os outros membros da zona do euro, o programa evita um choque imediato em sistemas financeiros frágeis. Mas é claro que isso ajudará outros membros que agora estão na linha de fogo. Outros membros da zona do euro poderão muito bem verem-se no mato sem cachorro. Mas vários deles têm déficits orçamentários insustentáveis e uma proporção de endividamento em rápida ascensão. Nesse aspecto, a situação não difere das do Reino Unido e dos EUA. Mas faltam-lhes as mesmas opções de política econômico-financeiras. Essa história, em suma, não terminou.

Para a zona euro, duas lições são claras: primeiro, ela tem uma clara escolha - ou permite inadimplências de países, por mais conturbadas que venham a ser, ou cria uma união fiscal efetiva, com forte disciplina e recursos suficientes para amortecer o ajuste em economias arrasadas - Buiter recomenda um Fundo Monetário Europeu com 2 trilhões de euros; e, em segundo lugar, o ajuste na zona do euro não dará certo sem ajustes compensatórios nos países centrais. Se a zona do euro estiver disposta a viver com uma demanda geral estagnada, ela se tornará uma arena para desinflação competitiva do tipo que visa "empobrecer os vizinhos", com crescente dependência em relação aos mercados como uma saída para os superávits fiscais. Poucos gostarão desse desfecho.

As crises ora em evolução confirmam os que viram o euro como uma iniciativa de alto risco. Esses choques não surpreendem. Ao contrário, poderiam ter sido previstos. O receio de que o atrelamento mútuo de países tão diversos aumentaria a tensão, em vez de reduzi-la, também parece justificado: veja-se o surto de sentimento anti-europeu na Alemanha. Entretanto, agora que a zona do euro foi criada, ela precisa funcionar. A tentativa de salvar a Grécia é apenas o começo da história. Muito mais ainda precisa ser feito - em resposta à crise imediata e na reforma da própria zona -, num futuro não muito distante.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.