Título: Retaliação em direito intelectual poderá atingir filme e remédio
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2010, Brasil, p. A4
de Brasília
Em mais um passo parapressionar os Estados Unidos a oferecerem compensações por subsídiosilegais concedidos à produção local de algodão, o governo brasileiroanunciou ontem a lista com as principais áreas sujeitas à retaliação emdireitos de propriedade intelectual. A lista de bens e mercadoriassubmetidas a sanções econômicas já havia sido divulgada na semanapassada. Em consultapública até 5 de abril, a lista prévia compreende represálias de atéUS$ 238 milhões em patentes, marcas e direitos de autor por meio deeventual suspensão, retirada ou cobrança de taxa adicional calculadasanualmente pelo Ministério do Desenvolvimento. Aspenas podem ser impostas a medicamentos humanos e veterinários,produtos químicos e processos biotecnológicos agrícolas, cultivares,execuções musicais, programas de computador, além de obras literárias eaudiovisuais. "A lista é para tentar gerar um movimento dos EstadosUnidos", admitiu o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty,Carlos Márcio Cozendey. "O Brasil está reagindo. Não altera a regra dojogo. E não deve significar redução de investimentos no país". Atendência, segundo ele, é "reduzir custos" para o consumidor brasileiro. Aporta para a negociação continua aberta, mas o governo busca forçargigantes farmacêuticas, indústrias de biotecnologia e de software, alémde companhias de entretenimento, a reforçar a pressão sobre o governoamericano na disputa do algodão. "Espero que as empresas estejam donosso lado para fazer os Estados Unidos cumprirem as regras da OMC.Elas vão nos ajudar em Washington". O diretor do Itamaraty afirmou que, "se houver acordo", as medidasimpostas pelo governo podem ser interrompidas "a qualquer momento", jáque são produtos específicos e regras gerais. "Temos certeza de queeles têm interesse em respeitar as regras da OMC", afirmou asecretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), LythaSpíndola. Os EUA foramcondenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) a compensar oBrasil por subsidiar ilegalmente a produção e exportação de algodão. Opaís foi autorizado a retaliar os EUA em até US$ 829 milhões anuais.Para permitir essa "retaliação cruzada", foi necessário mudar as regrasinternas. Se, de fato, ocorrer a chamada "retaliação cruzada", será aprimeira vez na recente história da OMC. Em dois casos anteriores, asrepresálias comerciais acabaram descartadas - Antígua e Barbudadesistiu de retaliar os EUA e o Equador também recuou de sua intençãocontra a União Europeia. "A área é nova e ainda estamos inventando comofazer e implementar essas medidas", reconheceu Cozendey. Naprática, a aplicação de eventuais medidas pode reduzir o prazo devalidade de uma patente industrial, levando o produto a "cair emdomínio público". Isso, entende o governo, aumentaria a concorrência."Podemos reduzir a patente em um determinado período", disse Cozendey."Provavelmente, não se adotará sobre patentes com prazos muito longos." Osplanos do governo também incluem licenciar patentes de medicamentos,químicos, biotecnológicos, softwares, livros e filmes sem a devidaremuneração de direitos de autor. A licença ficaria sob controle doEstado, sem pagamento arbitrado. "A lista é ampla e abrangente, porquequeremos ouvir todos os setores", disse Lytha. Na relação de bens e mercadorias, que deve vigorar a partir de 7 deabril, foram inicialmente identificados 222 itens. Mas apenas 102posições tarifárias sofreram retaliação. O que somaria US$ 2,7 bilhõesem sanções acabou limitado a US$ 591 milhões. "Se fosse tudo em bens,causaríamos prejuízo aos consumidores brasileiros. Por isso, optamospela propriedade intelectual", disse Cozendey. Nalista sujeita às sanções, estão permissões especiais, sem licença dotitular da patente, para executar a "importação paralela" demedicamentos. Assim, seria possível trazer ao país medicamentosgenéricos concorrentes de produtores americanos. "Podemos trazer deonde já existem genéricos e obrigar os produtos americanos a enfrentaressa concorrência aqui", afirmou o diretor do Itamaraty. Arelação prévia de retaliação em propriedade intelectual também abrangeua elevação de preços de registro ou de taxas de renovação de patentesno Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). "Podemos criarum novo registro para direito de autor em filmes, livros e softwares",informou Cozendey. O governo também avalia criar a obrigação de novosregistros para filmes, livros e softwares ou taxar remessas deremuneração de propriedade intelectual. Seria outra maneira de reforçara pressão sobre um dos setores mais sensíveis na relação comercialbilateral.