Título: Campanha eleitoral terá mais caixa 2, diz secretário-geral do PT
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2010, Política, p. A5

de São Paulo

O secretário-geral do PT,deputado federal José Eduardo Martins Cardozo (SP), vive um momento decontradição. Na semana passada, anunciou que não concorrerá mais acargos no Legislativo, por discordar do modelo de financiamento dascampanhas eleitorais. O dirigente, no entanto, não pretende deixar osegundo cargo mais importante do partido nem a cúpula partidária,responsável pela gestão financeira tanto do PT quanto da campanhapresidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Cardozo tambémnão pretende desistir de vez da vida pública. Se tiver apoio dopartido, pretende candidatar-se a cargos majoritários, como aPrefeitura de São Paulo, em 2012, mesmo com o atual modelo definanciamento.

Cardozoavalia que o PT conseguiu superar a crise gerada a partir da denúnciado mensalão, mesmo com a volta de ex-dirigentes como José Dirceu aocomando partidário. O petista avalia que o partido lida melhor com asfinanças, ainda que tenha escolhido como tesoureiro João Vaccari Neto,alvo de suspeitas de desvios de recursos envolvendo a CooperativaHabitacional dos Bancários (Bancoop).

Opetista foi secretário de Governo na gestão de Luiza Erundina, primeirado PT em São Paulo, e construiu sua trajetória política no Legislativo,com dois mandatos como vereador em São Paulo e outros dois comodeputado federal. Em 2000, recebeu 229.494 votos, a maior votação queum vereador obteve no país. Na sexta-feira, conversou com o Valor,no intervalo das aulas de Direito que dá em um curso preparatório paraconcursos, em São Paulo. A seguir, trechos da entrevista.

Valor: O senhor teve dois mandatos como vereador e dois como deputado federal. Por que decidiu não se candidatar novamente?

José Eduardo Martins Cardozo:Na eleição passada eu já estava muito desestimulado de participar deuma disputa em que a relação entre o candidato e o doador é semprecomplicada. Você recebe uma doação e depois começa a ser policiado deuma forma assustadora, como se tivesse cometido um crime. Amanhã oudepois acontece qualquer coisinha e vão falar: "Até você fazia isso..."Não adianta dizer que não fazia. Se uma pessoa que doou para a minhacampanha for pega em uma falcatrua, vão me atacar por ter recebidorecursos desse doador. Infelizmente a gente sabe que boa parte dodinheiro que vai para uma campanha é desviada. Isso tem de sercombatido.

Valor: O senhor teve problemas com a Justiça Eleitoral?

Cardozo:Perdi a paciência, falando com muita franqueza. As coisas não só não sealteram como se agravam. Não tenho a menor disposição de disputar umaeleição com essas regras, de ir atrás de dinheiro para uma campanhacada vez mais cara. O que determina a vitória? Em larga medida é odinheiro. Na disputa passada minha campanha custou R$ 1,5 milhão. É umabsurdo. Nunca tive problema com a Justiça Eleitoral, mas acho que foiaté por acaso. Fico surpreso com alguns casos em que candidatos tiveramproblemas e cito um exemplo que aconteceu comigo. Uma pessoa que filmouminha campanha voluntariamente teve problemas. Dei um recibo de doaçãoe ele foi multado. A Justiça disse que ele não podia doar o serviço,tinha que ter ganho por isso. Não pode doar serviço? Ele tem uma multade R$ 7 mil, R$ 8 mil e vai ser obrigado a pagar. Basta haver umasuspeita e você é atingido. Sua vida fica em jogo. É comum, porexemplo, filhos de parlamentares não dizerem que são filhos deles. Senão, ouvem comentários do tipo "Seu pai é ladrão". Esse tipo de coisavai atingindo as pessoas. Passei por isso várias vezes. Você vai a umjogo de futebol e as pessoas ficam gritando "mensalão", "mensalão". Nãoé possível. Isso vai somando.

Valor: Osenhor critica o modelo de financiamento, mas o PT defendeu mecanismoscomo a doação oculta no Congresso, na minirreforma eleitoral aprovadaem 2009, e recorreu da decisão do TSE de acabar com a doação oculta.Não é contraditório?

Cardozo:Quem já fez campanha eleitoral entende isso. Há uma cultura política deque doar é picaretagem. Então todo o doador e todo aquele que recebe ésuspeito até que se prove o contrário. É como se bastasse receber umadoação para ter uma relação promíscua, eterna. Não é verdade. Pode seruma estratégia: fulano defende uma ideia, isso me interessa e por issovou dar. Ou doa por espírito público. Não estou falando de desonestos.O que existe hoje é uma criminalização moral da doação legal. Mesmo nasdoações lícitas o doador e o candidato têm receio de serem perseguidos.É por isso que o doador diz que só dá dinheiro se for de forma oculta.Toda vez em que se tenta acabar com a doação oculta, você força caixadois. Quem doava para o partido para não aparecer vinculado a umcandidato vai doar para o caixa dois e você não vai poder aceitar. Comoé que vai fazer? O bandido, o picareta, o que faz caixa dois sempre vaiter muito dinheiro. O que se comportar dentro da lei ficaráinferiorizado. A pior parte de uma campanha é buscar dinheiro. Ocandidato teria que falar: "Você me dá o seu dinheiro, mas eu não voudar nada em troca". Só pelo fato de dizer que não vai dar nada em trocao doador vai dizer: "Mas você está dizendo que eu sou bandido?" Alémdisso, teria que pedir o imposto de renda do doador também, já que háum limite para doação sobre a arrecadação do doador. Ou acontecerãocasos como da Associação Imobiliária Brasileira, em São Paulo, queparecia ter feito doação legal, mas gerou problemas para vereadores epara o prefeito (Gilberto Kassab). A empresa não poderia ter doadoporque não tinha arrecadação.

Valor: A proibição da doação oculta pode aumentar o caixa dois?

Cardozo:A possibilidade é grande. Daí vai confundir os candidatos que queremreceber licitamente com aqueles que desviam dinheiro, que têm relaçãopromíscua. Não acho que acabar com a doação oculta vai moralizar. Nãoadianta ficar mexendo em uma coisa que já está errada na causa. Nãoacredito que as regras eleitorais que eu aprovei, que eu achava queeram boas, eliminaram grandes gastos de campanha, ao proibir showmício,por exemplo. Diminuiu recurso? Não. O recurso é utilizado para a comprade cabos eleitorais, por meios "subterrâneos" que não se tem controle.Um indivíduo tem influência política sobre uma região fala: "Eu querotanto para fazer sua campanha". Você dá pra ele, às vezes, no caixadois. Se não dermos um breque nisso, a corrupção continuará e haverámais gente saindo da política. Sairão aqueles que querem ter ética napolítica e não sabem mais como operar.

Valor: Faltou empenho do PT para tentar aprovar a reforma política e mudar isso? Por que o governo não investiu na proposta?

Cardozo:O governo investiu. Não no início, mas depois apoiou. Daí váriospartidos da base disseram que se aprovasse a reforma, retiraria o apoioe nós perderíamos a maioria do Congresso. Houve um momento em que haviaacordo entre PT, PSDB e DEM para aprovar a reforma. O problema não foisó o PMDB, foram vários partidos, vários segmentos.

Valor: Oproblema não é só na campanha política. Partidos políticos tambémdemonstram dificuldades na administração de suas finanças. O PT, porexemplo, escolheu um tesoureiro que é alvo de investigação. Foi umafalha do partido?

Cardozo:O que vi até agora do Vaccari (João Vaccari Neto, tesoureiro do PT) nãotem um elemento sequer para pedir a quebra do sigilo bancário dele.Qual o elemento novo? Não acho que isso deve ser feito com as pessoas.São fatos já colocados, em apuração há três anos. O fato de ele terassumido a tesouraria do PT fez com que uma situação antiga fosseretomada. Que o Ministério Público apure, que investigue e puna. O queestão fazendo é um linchamento público, absolutamente injustificável.Eu hipotequei minha solidariedade ao Vaccari. Sempre fui muito duro emrelação a companheiros nossos que fizeram desvios, desde que existamprovas e não uma execração pública, sem provas até agora. No dia em quesurgirem provas contra ele, contra mim, contra qualquer pessoa, que seexecre. Não posso dizer que o PT escolheu errado o Vaccari. Não possodizer e o defendo. Agora também posso afirmar que é natural, nouniverso desse sistema político, é impossível o partido viver semcomplicações. É impossível. Eu não conheço nenhum partido que tenhachegado ao poder e que não tenha tido complicações.

Valor: Complicações tipo caixa dois?

Cardozo:De denúncias, porque as relações com doadores são muito problemáticas.Enquanto esse sistema não mudar, todos nós navegaremos nesse mar duro.

Valor: OPT consegue lidar melhor com as finanças depois do mensalão? O partidosuperou a crise de 2005? Envolvidos no escândalo, como Dirceu, voltaramao comando partidário. O senhor concorda?

Cardozo:O processo está na Justiça. José Dirceu foi punido sem provas. Seaparecerem provas, que se puna. Mas ele foi cassado sem provas, umacassação política. E olha que ele sempre foi um grande adversário meudentro do PT, sempre tivemos brigas homéricas. Eu, mais do quecompanheiros de outros agrupamentos, tenho mais legitimidade para falarisso. Sempre tive grandes discussões com Dirceu. Mas que ele foicassado sem provas, isso foi. Estou muito satisfeito com o PT. Sousecretário-geral nacional, tenho me empenhado muito com isso. O partidoteve problemas, como todos os partidos.

Valor: Dirceu é consultor e participa da campanha de Dilma. O caso da Telebráslevantou suspeita de lobby do ex-ministro junto ao governo. A presençadele na campanha não pode atrapalhar a candidatura do PT?

Cardozo:O Zé Dirceu depois que deixou de ser parlamentar tem o direito deseguir a vida empresarial que ele quiser. Se provar que ele estáfazendo alguma coisa indevida e imoral, serei o primeiro a atacá-lo,inclusive nas vias partidárias se tiver usando indevidamente o partido.Se está exercendo atividade privada, há legítimo direito de exercê-la ede participar de ações de seu partido.

Valor: Que papel o senhor vai ter na campanha Dilma e o que é possível fazer diferente na arrecadação de recursos?

Cardozo:Vou atuar coletivamente com o partido, que fará uma campanha paraDilma. Vou para a função que me derem, como militante, como dirigentedo partido. O que é difícil para mim é fazer campanha proporcional,disputando com meus colegas de partido, levantar dinheiro para derrotaraquele que defende o mesmo projeto que eu.

Valor: O senhor pretende disputar cargo majoritário, como a prefeitura, em 2012?

Cardozo:Sempre quis disputar cargo majoritário. Essa oportunidade nuncaexistiu, até porque o PT tem muitos quadros qualificados, comprecedência política sobre mim, legítima, para disputar. Se houveroportunidade futura de fazer isso, sinceramente gostaria de fazê-lo.Mas sobre as disputas proporcionais, já cumpri meu papel.