Título: Problema fiscal está na saúde e Previdência, diz Scheinkman
Autor: Villaverde, João
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2010, Brasil, p. A4

de São Paulo

O grande problema fiscal dos Estados não está no endividamento público, que aumentou sua proporção em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) desde o fim de 2008, quando a arrecadação tombou e os governos ampliaram gastos. Os números alarmantes dos Estados Unidos e de países europeus como Grécia, Itália, Espanha ou mesmo Reino Unido, onde a dívida pública em relação ao PIB alcança a casa dos três dígitos, são cíclicos e pequenos frente a problemas maiores. A fonte de estrangulamento fiscal do Estado está na Previdência e na saúde pública. A avaliação é de José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Princeton, em Nova Jersey (EUA). Para ele, se a Espanha, por exemplo, aumentasse a idade mínima para se aposentar, isso teria um efeito muito maior sobre a situação fiscal no longo prazo que as medidas de arrocho de salários e aumento de impostos que estão sendo negociadas. No caso brasileiro, onde o Estado ampliou gastos e isenções de impostos para contrabalançar os efeitos recessivos da crise mundial, a dívida pública líquida saltou seis pontos percentuais como proporção do PIB, passando de 38,8%, em 2008, para 44,8%, no ano passado. A situação fiscal, no entanto, não está descontrolada, avalia Scheinkman. A expansão fiscal que se seguiu à explosão da crise, diz ele, foi "natural" e sua desativação - por meio do aperto monetário e do retorno de impostos rebaixados a zero durante as turbulências - está ocorrendo. O economista não vê para o governante que toma posse em janeiro de 2011 missão semelhante a que teve o governo de Luiz Inácio Lula da Silva quando assumiu, em 2003. "O ajuste fiscal de 2003 foi importantíssimo para o Brasil. Ali o governo mostrou que o compromisso do país com a estabilidade não dependia de partidos e governos. Muita coisa melhorou muito de lá para cá", diz Scheinkman, em entrevista ao Valor. O desafio do Estado brasileiro, avalia Scheinkman, está em aliar os custos crescentes com saúde e Previdência, que tendem a aumentar diante do envelhecimento populacional e do avanço tecnológico. "A saúde é um dos poucos setores onde o avanço tecnológico aumenta custos e não o contrário. Os gastos com pesquisa e desenvolvimento de novos aparelhos e, depois de criados, com difusão e manutenção, são muito elevados", diz. Para ele, o governo brasileiro "perde tempo" promovendo a política de "escolher vencedores setoriais", ocupando um espaço que o mercado, julga, "é muito mais eficaz". Scheinkman também critica a participação direta do Estado na economia, como no caso da internet banda larga. Na semana passada, o governo brasileiro anunciou que a estatal Telebrás vai ficar à frente do programa de expansão das linhas de internet banda larga pelo país. "No mundo todo há dificuldades para as empresas privadas ampliarem o acesso à internet em regiões de menor densidade populacional, onde a remuneração tende a ser mais baixa. O Estado deve subsidiar a expansão, não necessariamente entrar na operação", diz. Para ele, o Brasil não está aproveitando a oportunidade de "aumentar a produtividade total da economia". O exemplo, para ele, são os Estados Unidos: "Os americanos voltaram a crescer forte e rapidamente porque têm ganhos de produtividade muito elevados, apostam muito em pesquisa e tecnologia. Nós não fazemos isso", diz ele, que avalia que a retomada brasileira, ainda que sustentada no mercado interno, depende muito do crescimento chinês. "Todas as nações emergentes de rápido crescimento tiveram quedas em algum momento. Foi assim com a Coreia do Sul e com o Japão, nas décadas de 70 e 80 e ainda não aconteceu com a China", diz ele. Bancos e consultorias trabalham com taxas de 6% a 7% para o avanço do PIB brasileiro neste ano. As expectativas otimistas, ancoradas no crescimento elevado verificado nos primeiros meses do ano, contam com a crescente demanda chinesa para produtos brasileiros e, ao mesmo tempo, na oferta de bens industrializados oriundos da China. "Será que os chineses descobriram a fórmula mágica de crescer forte todos os anos sem sofrer um baque?", pergunta ele, que participa de evento promovido pela Serasa Experian na semana que vem.