Título: Credibilidade do BCE fica em xeque com piora da crise
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Fonte: Valor Econômico, 10/05/2010, Internacional, p. A9

The Wall Street Journal O Banco Central Europeu não é o principal ator do mais recente esforço da União Europeia para conter a crise de dívida da zona do euro, mas a credibilidade do BCE reside no sucesso do plano mesmo assim. Seu presidente, Jean-Claude Trichet, insiste que os governos da UE assumam a liderança na resposta à crise, a despeito de pedidos para que o BCE intervenha com mais força com a compra de títulos de dívida de alguns desses países diretamente. Trichet rejeitou esses pedidos na semana passada, o que contribuiu para um pânico no mercado global. Se o plano da UE estabilizar os mercados, Trichet terá tido sucesso em definir o papel do BCE, a despeito de uma série de tropeços em termos de política econômica e de comunicação com o mercado durante a crise. Se não der certo, o BCE será acusado de piorar a crise, o que provavelmente vai expô-lo a uma maior influência política. "O BCE precisará enfrentar muitas questões delicadas" se o plano da UE não conseguir barrar o contágio e o banco central tiver que comprar títulos públicos, o que afeta tanto sua credibilidade no combate à inflação quanto sua independência, diz Jörg Krämer, economista-chefe do Commerzbank. A resposta de Trichet para a crise tem sido às vezes inconsistente, prejudicando a credibilidade do BCE e exacerbando a volatilidade do mercado, dizem seus críticos. Mas num ponto ele foi claro desde o começo: a Grécia é um problema fiscal, e cabe aos governos da zona do euro liderar a resposta. Trichet defendeu esse argumento enfaticamente na entrevista coletiva mensal do BCE na quinta-feira, em Lisboa. A despeito de expectativas no mercado financeiro de que o BCE fosse ter que adotar uma interpretação abrangente de suas responsabilidades e comprar títulos de dívida soberana da Grécia e de outros países periféricos nas mãos de instituições financeiras, Trichet disse que as autoridades nem sequer discutiram essa ideia. Num comunicado que parecia ignorar totalmente as ansiedades do mercado, a autoridade monetária observou que a economia da zona do euro estava "se fortalecendo" e que o risco de inflação havia subido. A implicação era clara: o foco do BCE é o seu mandato anti-inflacionário para toda a região, e não resgatar este ou aquele país. Os mercados entraram em pânico depois dos comentários de Trichet na quinta-feira. O euro tocou brevemente seu ponto mais baixo em 14 meses na semana passada. Os investidores temiam que se a instituição mais importante da zona do euro, o BCE, não ia salvar a Grécia, ninguém o faria. "O mercado parece ter interpretado isso como passar a responsabilidade adiante", diz Marco Annunziata, economista-chefe do banco UniCredit Group. "Vejo isso como Trichet exercendo liderança, ao dizer que a menos que haja uma forte resposta fiscal, nada vai funcionar." Os governos receberam o recado e prometeram no fim da sexta-feira agir com celeridade para conter a crise, bem como dar detalhes antes de o mercado abrir na segunda. "Foi preciso que o mercado amplificasse a pressão" para que o pedido de Trichet de que algo fosse feito tivesse efeito, diz Annunziata. Annunziata tem criticado a resposta do BCE à crise até agora. Ele disse que a decisão da semana passada de suspender as exigências para a aceitação de títulos gregos como garantia de empréstimos do BCE - depois de autoridades, entre as quais Trichet, terem várias vezes descartado essa opção - "amplifica" o dano já causado às instituições da zona do euro, "enfraquecendo ainda mais o euro". "A discussão das garantias não destrói a credibilidade do BCE, mas causa algum estrago", diz Krämer. A meia-volta sobre as garantias ressalta como é escorregadio o caminho que o BCE tem pela frente. O BCE foi criado para ser protegido da política. Tem uma meta de inflação para guiar sua política, e, como Trichet sempre nota, o BCE não tem sido acuado pelos pedidos dos governos para que ele reduza os juros. Diretores do BCE participam de reuniões dos ministros da economia da Europa - o número dois do banco, Lucas Papademos, esteve numa reunião ontem em Bruxelas - e representantes da Comissão Europeia podem participar de reuniões do BCE, embora em nenhum dos casos uma instituição tenha voto nas decisões da outra. Mas a crise da Grécia já empurrou o BCE um pouco na direção da política. O banco fez uma avaliação do plano de orçamento de Atenas a pedido dos governos, o que permitiu a ativação de empréstimos bilaterais. Ao suspender as regras das garantias somente para a Grécia, citando o "forte compromisso" de Atenas em colocar suas finanças em ordem, o BCE acabou fazendo uma avaliação principalmente política, dizem analistas. O problema não se limita a Trichet e ao BCE, dizem analistas. É antes um problema de governança da zona do euro. A moeda carece de uma autoridade fiscal, o que quer dizer que se procura Trichet em busca de respostas sobre qualquer coisa que afete a região, mesmo que seja algo fora do escopo da política monetária. Muitos governos da zona do euro, particularmente a Alemanha, foram muito relutantes em aprovar sua parte no pacote de ajuda. A despeito de repetidas garantias dadas por Trichet de que os planos orçamentários de Atenas eram "convincentes" e "corajosos", os rendimentos dos títulos de dívida grega dispararam para dois dígitos, e a Standard & Poor's rebaixou esses títulos para o status de "título podre". Todo esse tempo o BCE manteve conforme o planejado a gradual eliminação das operações especiais de crédito criadas durante a crise de 2008. As autoridades também disseram repetidas vezes que voltariam a adotar regras rigorosas para as garantias das dívidas no ano que vem, sem exceção, o que expôs a Grécia à possibilidade de ver seus títulos públicos desqualificados como garantia para os instrumentos de crédito do BCE. Isso teria sido um golpe fatal para os bancos gregos.