Título: Lições do Brasil em política industrial
Autor: Khanna, Tarun; Mingo, Santiago
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2010, Opinião, p. A11
Se as lições brasileiras forem seguidas, as forças de mercado poderão entrar em cena no lugar da política industrial
Em economia, poucas ideias são mais elogiadas e criticadas do que política industrial. Seus defensores, aqueles que estudaram a ascensão das economias do leste asiático, por exemplo, são seus fãs incondicionais. Os opositores ficam irados à sua simples menção. Os primeiros apontam para o desenvolvimento econômico, os segundos alegam que dezenas, até mesmo centenas, de bilhões de dólares foram desperdiçados. Um recente cenário de descontentamento é o dos combustíveis renováveis. Em todo o mundo, US$ 184 bilhões estão sendo alocados na forma de investimentos públicos para estímulo visando promover as energias limpas, esforço liderado pelos EUA (US$ 67 bilhões) e a China (US$ 47 bilhões). Sem dúvida, existe algum progresso - a energia eólica atende 20% da demanda de eletricidade na Dinamarca e cerca de 15% na Espanha e em Portugal, por exemplo -, mas a receita do sucesso permanece elusiva. Nesse sentido, a experiência brasileira de estímulo aos combustíveis renováveis, iniciada na década de 1970, é diretamente relevante para as atuais posições polarizadas em relação a política industrial. Um programa de política industrial de 10 anos denominado Pro-álcool foi crucial para o desenvolvimento da indústria. Hoje, o Brasil é o mais competitivo produtor mundial de combustíveis renováveis, baseados principalmente em bioetanol. O etanol é responsável por mais de 50% da demanda atual de combustível para veículos leves no país, e a Petrobras - gigante brasileira do setor energético e uma das maiores empresas na América Latina - acredita que esse percentual aumentará para mais de 80% até 2020. Nossa pesquisa mostra que a política industrial foi bem sucedida em estimular uma indústria competitiva de bioetanol no Brasil. Um enorme pacote de estímulo, cujo estopim foi o aumento nos preços do petróleo em 1970, deu origem a um setor industrial inteiramente novo. Mas ele não teria funcionado sem o papel crucial desempenhado pela concorrência. O Brasil estava tentando se tornar autossuficiente em energia de uma forma similar aos modernos esforços de outros países. Mas, como os opositores de políticas industriais têm razão em nos lembrar, subsídios nunca deram bons resultados. O que veio em seguida foi crucial. À medida que os preços mundiais de energia despencaram, fortuitamente, o Brasil fechou a torneira dos subsídios, e então sobreveio um brutal salve-se quem puder darwiniano. Essa racionalização competitiva foi essencial para o sucesso da política. O Pro-álcool envolveu um detalhamento de incentivos para beneficiar diversos participantes, sem o que não teriam aderido ao empreendimento. O Estado brasileiro havia oferecido empréstimos a juros baixos e garantias de crédito para a construção não só de destilarias como também incentivos fiscais para compra de veículos a etanol. Os preços do etanol foram manipulados para torná-lo uma alternativa atraente à gasolina. Além disso, o governo induziu a Petrobras a distribuir o combustível renovável. Postos de gasolina instalaram bombas de etanol. O governo assinou acordos com as maiores montadoras de automóveis oferecendo incentivos à fabricação de veículos capazes de funcionar com combustível 100% de etanol. Quem hoje visita o Brasil vê carros "flex-fuel" por toda parte. A experiência de encher os tanques desses veículos é curiosa. Pouco antes de entrar num posto de gasolina, os motoristas brasileiros calculam se a gasolina comum ou etanol é a opção mais barata (o bioetanol tem um teor energético 30% menor do que a gasolina tradicional), e em seguida, escolhem entre uma bomba de gasolina ou de etanol. De início, as políticas brasileiras atraíram todo tipo de empresários. Alguns eram talentosos e acreditaram que os novos subsídios e incentivos tornavam altamente atraentes os investimentos de longo prazo no setor. Empresários de qualidade duvidosa também entraram no jogo graças à generosidade do Estado. Felizmente, o governo não tentou assumir a impossível tarefa de tentar separar vencedores de perdedores. Com a chegada da década de 1990, os principais subsídios e políticas foram abolidos e o setor foi desregulamentado. Nossa análise estatística dos padrões de entrada e saída de empresários no setor de etanol brasileiro mostra que os mais eficientes compraram os menos eficientes. A maioria das empresas produtoras de etanol com desempenho insatisfatório faliram ou foram absorvidas por empresários com um histórico bem sucedido no gerencimento de operações eficientes. O governo não socorreu os ineficientes, permitindo que as forças de mercado reestruturassem o setor durante a fase pós-subvenção. Sem dúvida, os beneficiários dos subsídios do Pro-álcool pressionaram o Estado para que desse continuidade às políticas de proteção mesmo após sua finalidade - induzir o desenvolvimento da indústria - já ter expirado. Felizmente, o governo não foi convencido. A experiência brasileira oferece três lições importantes a países em vias de implementar iniciativas no campo de energia renovável: 1- as políticas governamentais devem ser coerentes, simples e de longa duração, assegurando aos empreendedores em potencial que podem investir no longo curso; 2- a escolha de vencedores, conhecida fraqueza dos burocratas superentusiastas, deve ser mantidas em um mínimo, e 3 - é necessário que o Estado tenha disciplina para reverter os subsídios quando sua necessidade estiver superada. Se essas lições forem seguidas, as forças de mercado poderão entrar em cena no lugar da política industrial. Num momento em que políticas industriais voltam à cena em países no mundo inteiro, esse é um objetivo que seus defensores e oponentes deveriam igualmente, abraçar.