Título: Governo nos obriga a agenda reativa
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2010, Especial, p. A12

De Belo Horizonte

A seguir, a entrevista dada por Robson Braga de Andrade. A conversa aconteceu algumas horas antes da votação em que a Câmara dos Deputados aprovou o fim do fator previdenciário, um dos temas abordados pelo empresário. Valor: Qual a tarefa política da CNI neste momento? Propor a retomada de reformas ou procurar impedir que interesses divergentes da indústria prevaleçam? Robson Braga de Andrade: No Brasil infelizmente nós ficamos em uma agenda reativa, correndo atrás de coisas que nos tomam de surpresa. Somos surpreendidos com a proposta de redução da jornada de trabalho, ou o fim do fator previdenciário, que foi uma conquista do governo... em seguida fica-se sabendo que na questão ambiental eles agora querem aprovação das centrais sindicais para aprovar licenciamentos do Ibama. Então há uma série de coisas acontecendo que só descobrimos porque estamos atentos ao que ocorre no Congresso, porque eles não te comunicam, não te informam e não negociam com os setores interessados.

Valor: Quem são eles?

Andrade: Eles são o governo. O governo não é o presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva] ou a Casa Civil, mas também alguns ministros e autarquias. São pequenas coisas o tempo todo. Por exemplo, nós tomamos conhecimento que a Anvisa queria proibir propaganda de alimentos na televisão até 21h, porque alimento é prejudicial à saúde das crianças. Ou seja, ficamos em uma agenda reativa em que temos o tempo inteiro que ficar alertas. É aquilo que se dizia no tempo da UDN: o preço da liberdade é a eterna vigilância. Em vez de trabalharmos com propostas, de sermos parceiro do governo, parceiro das instituições, de buscar soluções para as questões importantes do país, gastamos um tempo enorme discutindo assuntos que são complicadores do ambiente de negócios no Brasil.

Valor: Por outro lado, nestes últimos anos o empresariado conseguiu vitórias emblemáticas no Congresso, como a rejeição da emenda constitucional que previa a CPMF. Que balanço o senhor faz do resultado obtido pela CNI no Congresso?

Andrade: O empresariado até alguns anos atrás trabalhava politicamente desorganizado e às vezes com posições contrárias a outros setores. A CNI criou o Fórum Nacional da Indústria e com isso conseguiu que os empresários tivessem um pensamento mais uniforme, objetivos mais claros, propostas mais embasadas e documentadas. No caso da redução da jornada de trabalho, procuramos demonstrar o impacto que esta medida teria na economia e no custo das empresas. O fim da CPMF foi uma conquista do empresariado porque mostrou que o governo podia se financiar de outras formas que não a tributária. O que não pode é o governo ficar aumentando seus custos e repassando para a carga tributária.

Valor: A redução da jornada de trabalho é vista como uma ameaça maior que a do fim do do fator previdenciário?

Andrade: O fim do fator previdenciário é algo que preocupa em razão dos custos maiores que traz para as contas do governo, mas não se trata de uma iniciativa do Executivo. Esta foi uma conquista do governo Fernando Henrique Cardoso que o governo Lula preservou e você vê agora elementos do Congresso procurando mudar a regra. O que preocupa na questão da jornada de trabalho é a diferença na origem: enquanto uma nasce no Legislativo, a proposta de redução veio por meio do Ministério do Trabalho e do Emprego. Assim como já existe uma proposta de aumento do Seguro de Acidentes do Trabalho, feita pelo Ministério da Previdência. Cada um fica tentando colocar empecilhos para complicar o ambiente

Valor: Ao criar o Conselhão, o Lula não buscava exatamente estabelecer um ambiente de diálogo com empresariado e movimentos sociais? O que deu errado?

Andrade: O Conselhão é um canal importante, que perdeu a eficácia pela falta de vontade política de se fazer as coisas, como foi o caso da reforma trabalhista, da reforma política e da reforma tributária. Muito se discutiu no Conselhão e aquilo não se transformou em propostas que tivessem apoio do Ministério da Fazenda. Mas ele permitiu a discussão em programas como o Minha Casa Minha Vida. Ele permitiu minirreformas e redução de impostos sobre investimentos.

Valor: Haverá no próximo governo mais ambiente para a discussão das reformas de interesse do empresariado, independentemente de quem seja eleito presidente?

Andrade: Acho que sim, sobretudo porque há muita insegurança jurídica sobre diversos temas, em que se faz necessário um ordenamento legal. Um exemplo é a questão da terceirização da mão de obra, em que há entendimentos divergentes. Cada juiz decide de acordo com a sua maneira de pensar. Você cria um ambiente de insegurança em todos os setores, do agrícola ao industrial, passando pelo de serviços. É uma questão em que essencialmente se trata de se transformar um custo fixo em um custo variável. Acho que há ambiente para que o Brasil tenha uma legislação adequada sobre isso. Mesmo com a ministra Dilma [Rousseff], temos discutido essas questões.

Valor: A vitória de Dilma Rousseff (PT) ou de José Serra (PSDB) muda o ambiente de negócios no Brasil?

Andrade: Vivemos em 20 anos um ciclo de presidentes que foi da direita à esquerda e temos agora um governo que preservou as conquistas obtidas anteriormente. Acredito que a tendência, seja com Dilma ou Serra, é de continuarmos vendo o fortalecimento das instituições e o crescimento do Brasil como país no mundo. De tal forma que o Brasil continue no ambiente de crescimento, de desenvolvimento, que desfruta hoje. Eu não tenho receio algum. Os candidatos terão agora, a partir de 3 de julho, um programa registrado que poderá ser cobrado posteriormente pela sociedade brasileira, mesmo que depois de eleito o candidato não o cumpra. O que não nos assegura, evidentemente, de que não tenhamos o risco de ter uma pessoa querendo fazer um novo programa de direitos humanos completamente absurdo, como o que tivemos aí recentemente, por iniciativa do secretário [ministro Paulo Vannuchi, secretário de Direitos Humanos].

Valor: Por que o Plano Nacional de Direitos Humanos é completamente absurdo?

Andrade: Ele traz problemas de insegurança jurídica, sobretudo ao tratar do licenciamento ambiental. Ele estabelece a participação de movimentos sociais em questões econômicas e políticas. O que vai provocar interferências até na liberdade de imprensa.

Valor: O senhor concorda com a opinião de Serra sobre o Mercosul? Ele disse na Fiemg que o bloco funciona de maneira farsesca.

Andrade: Concordo. O Mercosul não existe como um bloco homogêneo que tenta discutir as questões políticas, econômicas e comerciais. Hoje a Argentina, quando está em uma situação difícil, faz o que quer, o acordo que quiser fora do bloco. O Fernando Henrique no passado deu tantos privilégios para a Argentina que era quase melhor fechar aqui e ir para lá para investir. E mesmo assim a Argentina às vezes parece esquecer o Brasil. Todos, na verdade, acabam se esquecendo uns dos outros.

Valor: Uma pesquisa recente feita pelo Valor mostrou que o apoio a Serra entre os executivos das grandes empresas é maciço, ainda que reconheçam que houve crescimento durante o governo Lula. Por que o senhor acha que ocorre este fenômeno?

Andrade: Acho que nestes últimos anos a indústria viveu ótimos momentos por muitos fatores. Nem todos relacionados à ação governamental. A China demandou muitos produtos e serviços, não houve crises internacionais por um longo período e houve também a iniciativa do governo. Uma dessas iniciativas foi a valorização da indústria brasileira nos programas de compras de produtos e serviços de estatais.

Valor: O governo Lula tentou reformular a cobrança do sistema S, que é um tema que divide o empresariado. Como o senhor receberia a reabertura desta questão?

Andrade: Esta questão pode ser sempre discutida, mas vou dizer que na indústria não há discussão. A contribuição para o Sesi e o Senai é vista como estratégica no meio empresarial. O Senai é a forma mais importante que temos hoje no Brasil de ganhar competitividade e fazer inovação tecnológica.

Valor: A CNI deverá escolher o senhor como presidente em uma eleição consensual. Que papel tiveram para que isso acontecesse o vice-presidente José Alencar, o ex-governador de Minas Aécio Neves e o atual presidente da CNI, Armando Monteiro?

Andrade: Todos sabem, e não escondo, a minha amizade com Aécio e a profunda convergência com José Alencar, mas eles não tiveram influência no processo da CNI. Fundamental foi apenas a ação do Armando Monteiro. Ele é um político com mandato parlamentar, mas profissionalizou a CNI e criou um sentimento de unidade no sistema da indústria.

Valor: O senhor é filiado a algum partido?

Andrade: Não.

Valor: Já foi?

Andrade: Fui filiado ao PFL em 1992. O meu sogro, Eugênio Parisi, entrou no partido para ser candidato a vice-prefeito naquelas eleições. Perdemos para o Patrus Ananias (PT). (CF)