Título: Classe D altera perfil do calote
Autor: Cotias, Adriana ; Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2010, Finanças, p. C1

de São Paulo

A inadimplência da pessoa física, que historicamente guardava estreita relação com o mercado de trabalho, recuando quando havia queda do nível de desemprego, passou a ter uma dinâmica diferente nos anos recentes. Por trás dessa transformação pode estar o ingresso da nova massa de consumidores no mercado de crédito, representada pelas classes sociais emergentes, segundo o presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Adalberto Savioli. "A classe D que virou C tem o orçamento mais comprometido e ainda não tem a vivência do crédito, são novos riscos que vêm sendo incorporados ao sistema." Levantamento elaborado pelo Valor Data - média móvel em 12 meses -, dá pistas da nova realidade a partir de 2007. Enquanto o desemprego mostra clara tendência de queda, a inadimplência se mostra resiliente e chega a apontar para outra direção, em função dos efeitos da crise de 2008. Dados coletados pela Associação Comercial de São Paulo confirmam a inadimplência mais alta entre os novos participantes do mercado de crédito, aqueles de renda mais baixa. Um termômetro é a pesquisa que a entidade faz "no balcão", junto aos consumidores que procuram a associação para buscar informações ou regularizar sua situação de crédito. O levantamento indicou que, dos consumidores que tomaram crédito pela primeira vez em agosto de 2009, 8,4% têm prestações atrasadas há mais de três meses, enquanto que a taxa cai para 6,7% entre os que já utilizaram crédito há mais tempo. Dentre os consumidores inadimplentes, 25% ganham entre um e dois salários mínimos e 37% têm renda familiar mensal entre dois e três salários. "Está claro que o desempenho é menos favorável entre os novos consumidores do que entre os antigos", afirma o economista da associação, Marcel Solimeo, para quem a falta de experiência e a extensa lista de necessidades ajuda a explicar esse comportamento. Além disso, são pessoas que tomam crédito de muitos credores, o que dificulta uma eventual renegociação. "Chegamos a uma situação que deve levar os bancos a serem mais seletivos na concessão do crédito, para evitar o avanço da inadimplência", opina Solimeo. O Banco Central, no relatório de inflação referente ao primeiro trimestre deste ano, já havia indicado que o avanço do crédito contava com o efeito benigno das taxas de juros baixas. De acordo com um dos textos do documento, o comprometimento da renda evoluía de forma equilibrada graças "à conjunção favorável de taxas de juros declinantes e prazos em expansão" - cenário que já começou a ser revertido. Em um ambiente de recuperação consistente da renda, taxa de desemprego nos menores níveis da história e com investimentos crescentes para fazer jus aos eventos da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil, a tendência é o consumidor continuar a se endividar mesmo com a alta da taxa Selic. Savioli lembra que o impacto do encarecimento do dinheiro vem de cima para baixo, partindo das indústria e transferindo-se para toda a cadeia produtiva até chegar à ponta do consumo. "A pessoa física dilui isso na prestação, mas para as empresas 0,75 ponto percentual de aumento é oneroso." Por ora, Savioli, também diretor do Banco Panamericano, considera que a inadimplência da pessoa física, que caiu de 8,6% em julho de 2009 para 7% em março, cumpre o papel de não exercer pressão adicional para aumento dos "spreads" (a diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa cobrada nos empréstimos). Mas a situação pode mudar se o ciclo de alta de juros avançar por 2011, piorando a qualidade das carteiras. O cenário traçado por economistas e bancos é de que o crédito não deixará de crescer. Para este ano, trabalha-se com estimativas de em torno de 20% e 25% de elevação - sobre um ano fraco, que foi 2009. Mas o ritmo pode ser mais lento, apesar do ambiente positivo para a economia. Bráulio Borges, economista-chefe da LCA, não ignora o fato de que emprego e massa salarial - ingredientes essenciais para a evolução saudável do crédito - seguirão robustos e com boas perspectivas. "Mas o ritmo do crescimento do crédito ficará inferior ao potencial e manterá o Brasil ainda abaixo da situação de outros países." A previsão do Banco Central é de que o crédito atinja 49% do PIB neste ano, dos 45% atuais.